Eu Quero A Menina

Eu Quero A Menina (Ruy Penalva) Só não viu foi quem não quis O perdão tergiversar Quando aquele monstro feiticeiro Tomou conta do lugar Chegou, pediu, minto, exigiu A mais linda virgem pra levar A mais atraente A mais comovente A mais sempre a mais dentre as mais Pegou a menina Levou a menina Roubou a menina, sumiu Ninguém soube dela Ninguém mais revela Ninguém disse ao menos um piu! Já depois muito depois Bem no céu apareceu Um grande cometa Talvez um planeta Eu sei uma estrela nasceu Eu quero a menina Me tragam a menina Eu quero a menina porque No fim novela Só eu gosto dela Só eu vou poder desfazer Tamanho encanto Dum forte quebrando Que um dia pôs tudo a perder Um grande momento Meu contentamento De um dia casar com você

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quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O Homem do Cinema


                                                         O Homem do Cinema


          Ele gostava de ir ao cinema sempre nos finais de tarde, durante a semana de preferência, quando podia encontrar uma mulher do tipo que preferia: sozinha, sentada, isolada; talvez como ele, aguardando uma companhia para assistir a sessão. Quando achava esse tipo de parceiras: normalmente solitárias, carentes, ansiosas, correspondentes, mãos suadas, cremosas, macias, escorregadias; ele trocava olhares vãos durante algum tempo, a seguir ia ao banheiro, se ajeitava, corrigia a aparência, passava cuspe nas sobrancelhas e ao voltar sentava-se junto da nova namorada. Quando fazia isso tinha nas mãos algum óbolo; um bombom, uma pipoca, algum presente introdutório e propiciatório que dispensasse maiores conversas além de  um simples, "Aceita"?. Preferia namorar desse jeito, na penumbra, no claro-escuro do lusco-fusco cinematográfico, lá onde a íris sofre para se adaptar. Nunca aceitou namorar de outra forma. Todo seu namoro acabava antes do fim da sessão, quando faltando cerca de dez minutos para terminar o filme dizia que ia ao WC e não retornava mais. Já devia ter acumulado mais de cinqüenta, mais que isso,  namoradas entre as diversas sessões de cinema em que conseguia ter sucesso, porém nem sempre tinha sucesso. Certa vez, inclusive, teve de ficar com um travesti, por pouco tempo, é verdade, pois o confundiu com uma garota, mas logo percebeu após uma inspeção visual detida e ajudado pela afetação exagerada nos gestos e excesso de base de má qualidade na face; levantou-se e foi ao WC, ninguém merece, disse, nem eu. Quando não achava um par saía muito antes de o filme acabar, o filme não era importante, exceto alguns poucos. Era uma forma diferente de namoro, um namoro onde só se  podia realmente ver a silhueta e talvez um pouco do rosto da parceira quando a sessão clareava estroboscopicamente. Não conseguia ver defeitos, amiúde, e preferia mesmos não vê-los, tão detalhista que era, mas supunha que não conseguisse misses, mas apenas bagulhos ornamentados. Não sabia se suas namoradas tinham pernas grossas, bumbuns generosos, se eram elegantes, se trajavam bem, se tinham dentição perfeita; no escuro todos os gatos são tardos, alguns tarados, outros ainda retardados. Quando acontecia de encontrar alguém com um hálito pesado, bafo de cebola, de alho, menstruada, ia ao banheiro imediatamente e não mais voltava mais, embora a cena martelasse sua cabeça durante alguns dias. Se o rosto estivesse ensopado demais de maquiagem ou se o perfume fosse muito intenso, também procedia do mesmo jeito; preferia alguma alfazema barata a um entediado perfume francês da Abon. Também não gostava de parceiras barrigudas, que usassem cintas-ligas, parceiras babonas, velhas, parceiras com pontes dentárias ou borborigmo intestinal perceptível, além das que falassem e rissem muito  alto. Era fã de gatinhas, mulheres normalmente aparentando estar abaixo dos vinte anos. Detestava mulheres com sutiãs muito armados, duros, ou as de peitos muito arriados, sem tecido mamário. Mulheres com pouco turgor mamário não eram com ele. Prestava muita atenção no cheiro do cabelo, posto saber existir mulheres que não lavam os cabelos diariamente, a maioria,  e normalmente estão com mau cheiro no couro cabeludo e nos ouvidos; um cheiro particular, uma inhaca, um rabugem. Detestava também aquela saliva que fica no canto da boca ansiando para ser enxugada. Começava oferecendo um bombom, eu já disse isso,  falando do filme, batendo a coxa, pegando na mão, enrolando os pés e a sucessão de eventos dependia da receptividade da outra parte e da realização da parte dele de que tinha achado alguém aceitável, alguma atriz. Era como se fosse um ator coadjuvante que trabalhasse complementando o papel do ator principal. Procurava sempre sincronizar seus beijos com os da tela, seus abraços com os da tela e se cena ficasse caliente ele também procurava esquentar também. Normalmente dava seu nome diferente a cada uma de suas flash namoradas. Um telefone também. Cada dia tinha uma profissão diferente: dentista, médico e advogado eram as principais, mas também foi piloto, militar,  embora detestasse alturas e caserna. Procurava sempre intervalar suas aparições nos cinemas para não dar de cara com a mesma mulher, embora por duas ou mais vezes isso já tivesse ocorrido. Nada que o impedisse de continuar fazendo, mas algo que exigia uma pausa maior nas suas aparições. Quando isso ocorria, dizia que seu telefone vibrou naquele momento, era um chamado urgente de algum paciente, e ele teria de sair urgentemente do cinema. Nesses casos, ele pedia desculpas pelo acontecido anteriormente e se retirava definitivamente da sessão. Nada mais queria do que entrar na tela, viver na tela, sentir-se na tela, se imaginar na tela, e isso exigia síncopes, cenas rápidas, vida pouco atribulada. Viveu muitos romances dignos de Hollywood, mas sempre dentro dos cinemas onde esteve. Fez o papel de vários galãs. Nunca teve uma namorada de verdade. Nunca teve uma relação sexual de verdade. Colecionava souvenires de quem conseguia extrair algum.  Não se sentia anormal, apenas se achava alguém injustiçado pela sétima arte. Estava escrevendo um roteiro que prometia um dia filmar que se chamava O Homem do Cinema, que contava a estória dele mesmo na sua interação com o filme.
        Mas naquele dia John E. Motion foi ao cinema arranjar uma nova namorada. Havia mais de seis meses que não fazia isso, desde que encontrou uma das namoradas em um dos cinemas que costumava freqüentar e foi aquele qüiproquó . Após várias trocas de olhares, de risinhos, de polegares falando “posso ira aí?”, John levantou-se, foi ao banheiro, escovou os dentes, penteou os cabelos, pôs perfume, testou o bafo contra a mão fechada, comprou um Halls e foi até a poltrona da nova namorada.
      - Oi, posso sentar aqui?
      - Deve.
      - Você não está esperando ninguém?
      - Não.
      - Não leve a mal, mas não gosto de assistir filmes sozinho.
      - Eu também não.
      - Sabe, você é o tipo de mulher que eu gosto. Naturalmente cheirosa, jovem, discreta no falar; acho que vamos nos dar bem.
      - Que filme estranho esse que vamos assistir; li a resenha, disse a moça.
      - É sobre o quê? perguntou-lhe John.
      - Você não lê sobre os filmes que vai assistir?
      -  Não, nunca leio; também não gosto da opinião da crítica; construo a minha própria opinião.
      - Que chique! disse a moça.
      - É sobre o quê, já que você leu?
      - É sobre um cara que só namorava no cinema e antes do filme acabar deixava as namoradas sozinhas.
      - Interessante, alguém me copiou, eu estava escrevendo um roteiro desses?
      - A vida é assim mesmo, sempre que a gente tem uma boa idéia um bocado de gente já teve antes.
      "Ela está sem sutiã", disse para si mesmo, e os seios são duros e empinados.
        E John E. Motion foi perscrutando o corpo de Aparecida, sentindo a firmeza das suas coxas, o calor dos seus beijos, seu hálito agradável e perfumado. Foi apalpando, apalpando, subindo, subindo, subindo... “Nossa parece que está sem calcinha também”.
       Vou poupar o leitor das descrições indiscretas - que devem ficar por conta de cada imaginação - que ocorriam à medida que John subia com os seus dedos e ia descobrindo reentrâncias e saliências, resistências e complacências como se estivesse lendo uma escrita em braile.
    - Sabe o que eu acho, disse a moça Aparecida?
    - Diga, quero saber.
    - Esse casal aí da tela bem que poderia ser nós dois aqui nos apalpando.
      De repente o ator do filme saiu da tela e disse para os dois:
    - Oi, amigos, não roubem a cena, os atores aqui somos nós, vocês são expectadores.
    - Você ouviu o que eu ouvi? perguntou John a Aparecida.
    - Ouvi sim, mas já estou acostumada a roubar a cena.
    - Mas assim, desse jeito, daqui a pouco chega o vigilante com uma lanterna, falou John.
       E o filme foi transcorrendo tal e qual o momento de John E. Motion e Aparecida Mae Dream. Aparecida então falou para John:
    - Vou ali ao banheiro. Vou me ajeitar que a sessão está próxima de terminar e eu não posso aparecer assim quando as luzes se acenderem.
     - Vá, mas não demore, disse John, hoje eu vou até o fim...
        De repente alguém aparece e bate no seu ombro.
      - Acorda, acorda, rapaz, a sessão já terminou.
        John tomou um susto grande quando olhou para cima notou que o porteiro do cinema estava junto dele.
       - Poxa, cara. Dormi. Dormi profundo. E a garota que estava ao meu lado, você a viu?
       - Não havia ninguém com você não, hoje você assistiu a sessão sozinho, disse-lhe o porteiro!

     
Lauro de Freitas, 23 de maio de 2010.

Ruy Penalva

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