Eu Quero A Menina

Eu Quero A Menina (Ruy Penalva) Só não viu foi quem não quis O perdão tergiversar Quando aquele monstro feiticeiro Tomou conta do lugar Chegou, pediu, minto, exigiu A mais linda virgem pra levar A mais atraente A mais comovente A mais sempre a mais dentre as mais Pegou a menina Levou a menina Roubou a menina, sumiu Ninguém soube dela Ninguém mais revela Ninguém disse ao menos um piu! Já depois muito depois Bem no céu apareceu Um grande cometa Talvez um planeta Eu sei uma estrela nasceu Eu quero a menina Me tragam a menina Eu quero a menina porque No fim novela Só eu gosto dela Só eu vou poder desfazer Tamanho encanto Dum forte quebrando Que um dia pôs tudo a perder Um grande momento Meu contentamento De um dia casar com você

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domingo, 4 de abril de 2010

Coisas de Mulher

Coisas de Mulher



Naquele dia Neide estava falante. Solta. Mais gordinha do que quando a vira da última vez; quase a não reconheceu. Corada. Desandou a falar de seus sentimentos. De como gostava de fazer no seu relacionamento pessoal, de como tratava o marido, dos dengos que nele fazia, de como homem gosta de ser enrolado, da conversa que tinha tido na viagem com um passageiro sobre as artes que fazia para tornar o casamento menos monótono. Definitivamente estava tagarela como nunca estivera antes diante de seu interlocutor. Nunca a tivera visto assim. Exalava hormônios ferozes, ferozohormônios, daqueles que se o olfato não capta não passam despercebidos ao olhar. Contou de como preparou o jantar, à luz de velas, no aniversário do marido, que se tornara calado depois de casado. Tinha apagado todas as luzes da casa, e na escada que dava acesso ao pavimento superior, onde ficava o quarto do casal, colocara uma vela em cada degrau. Além das velas, colocara vários bilhetinhos, com declaração eterna de amor, colados nas paredes, vistos à medida que se subia de nível, em meio a rosas e mais rosas, essências, incensos, penumbra, desejo, tudo num ambiente extravagantemente romântico como nunca tivera feito antes pra ele, e “para ninguém”, repetia, posto que “ele era o seu primeiro e único homamor”. Era uma data especial. Inventada no prazer. Comemorada na satisfação. Satisfeita no resultado.
“Não sei o que seria de mim sem você”. “Você é a minha vida, a luz do meu caminho” e por aí ia se derramando em frases prontas, melosas, ternas e subalternas, mas que enterneceram o marido. Sabia que ele não gostava de comidas sofisticadas, de vinhos requintados, de champanhe, mas preparou tudo isso na penumbra, só iluminada por algumas velas postas sobre a mesa. Depois de servir todas essas comidas finas e bebidas fracas ela serviu então os pratos que ele gostava: Mocotó, feijoada, sarapatel, cerveja, pinga, mas foi logo lhe dizendo: “É só para provar, pois se você comer e beber tudo isso na hora do principal você apaga e eu fico na saudade”. E ela se preparou para o principal. Encheu a banheira de água aquecida, colocou rosas e sais aromatizantes. Usava uma camisola branca, transparente, que deixava mostrar todo o róseo dos seus mamilos, mais de 40 anos excitados, e uma calcinha preta, exígua, comme Il faut a ce moment la, fendida até a posição das oito horas, pois acima desse horário já não há nada mais interessante. Havia se depilado toda e apenas mostrava um bigodinho que ela oxigenou de louro sarará, combinando tão bem, supõe-se, com a sua tez branca. No banheiro havia duas taças de champanhe e um comprimido azul com os seguintes dizeres “Se necessário” Mas não foi necessário, pois nada podia ser mais azul do que o próprio clima. E rolou...

- Homem é assim. Gosta de ser paparicado. O meu, antes de casar, era falante, gostava de festas, mas depois que casou, que vieram os filhos, ficou calado, caseiro. Mas o importante é entendê-los. De vez em quando ele quer sair com os amigos e eu deixo. Não adianta ficar muito no pé, cheirando a camisa, olhando a cueca, estudando os hábitos. O importante é que não falte carinho em casa. Também não encho o saco dele com muitas conversas. Mulher conversa demais, como estou fazendo agora, percebe, não?. Eu gosto de ver filmes na televisão, ele gosta de futebol, de lutas, de jornal. Antes de deitar eu sempre faço massagens nele. Aprendi vários tipos de massagens e ele não dorme sem eu lhe fazer uma. Viciou, quer que eu cate cafuné toda noite. Mulher é assim. Gosta de se sentir dona do pedaço. Gosta de se sentir importante. Mulher gosta de dominar. Quer ter o homem nas mãos. Quer ter o controle remoto e ficar mudando de canal.

- Mulher é complicada, aduziu seu interlocutor. Casamento é complicado, não deixou de pontear também. Mas ele ficou olhando para ela, para aquela mulher que parecia tão desinteressante antes e que de repente falava como uma contista, como uma romancista. Ela, uma pessoa do povo, com capacidade de prender a atenção, de rematar, de mudar o tom de voz para gutural, de se fazer sexy, de extrapolar e de extra-pular. Não deixou de perceber, novamente, que seu rosto estava bastante vaso-dilatado, róseo, que seus olhos verdes-quasi-azuis brilhavam, que seus mamilos, supostamente róseos, apontavam sob a blusa, que ela tinha a magia do momento incorporado.

- Neide – disse ele – Você precisa escrever seus sentimentos, suas estórias, você tem talento – toda mulher tem – mas você tem em especial. Longe dele qualquer atração pelo que fosse minimamente carnal ali naquele momento.

- Sabe, ele disse para ela, quando eu estou na pior, no pior dos mundos, quando tudo não mais me serve, quando penso que vou desabar, implodir, que uma doença incurável está se apossando de mim, quando tudo parece ser dor, tormento, desesperança, eu me lembro que está me faltando sexo, atração, estripulia, e que sexo é o maior antidepressivo, analgésico, solucionante, rebite para o cansaço da alma. É por isso que a velhice é triste, embora a gente possa ser triste mesmo quando jovem.

Ele olhou então para o relógio analógico da sua sala, que ficava à sua frente, e já passava do meio dia. Não era exatamente um horário sexy. Ela percebeu que ele precisava dispensá-las e que ela tinha falado demais. Ela que era apenas uma acompanhante na consulta de uma irmã, que ouvia tudo e se admirava. Levantaram-se quase no mesmo instante, como se suas pressas fossem combinadas e ele se dirigiu em direção as duas para se despedir. Fez uma observação, porém.

- Vou beijar apenas sua irmã, você não, pois seu marido é ciumento, daqui a pouco ele vai sentir o meu cheiro – Ela tinha dito antes que o marido era muito ciumento.

- Que é isso. O que os olhos não vêem o coração não sente. Pode beijar, faço questão.

- Nhac, estalou um beijo naquele rosto cálido e carente. Vão com Deus. Adorei sua estória, tanto talento escondido!

- O senhor como sempre charmoso, bonitão, parece que o tempo não te derruba.

- Que os anjos-da-boca-mole digam Amém! Mas não é isso que meu espelho me diz...

Salvador, 24 de fevereiro de 2010.

Ruy Penalva

www.myspace.com/ruypenalvamusic

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