O Cerco a Cesar
Estavam todos reunidos na sala, sentados à mesa, quando alguém disse:
- Passem o morto!
Já era quase meia noite. Sasha apenas apreciava a cena, embora não lhe desse muita importância, pois já estava com sono, com muito sono, e, além disso, já não era mais o primeiro falecido daquela noite adentrante, talvez o quarto ou quinto defunto que tinha sido passado de mão em mão naquela quiro-necropsia embaralhada. De repente, entra Cesar, que tinha justamente acabado de sair, esbaforido.
- A casa está cercada! A casa está cercada! repetiu. Mais de dez policiais, fortemente armados, estão cercando a casa. Querem me prender!
- O defunto agora é meu, disse um outro.
Todos estavam entretidos, jogando buraco, e ninguém deu a devida importância à aflição de Cesar, quando Sasha então gritou:
- Mas como pode! A casa está cercada de policiais querendo prender Cesar e vocês ficam aí jogando baralho sem dar a mínima!
- Um adulto, que estava à mesa jogando, olhou para Sasha e girou o indicador em círculo, lateralmente à têmpora direita, indicando que Cesar estava tan-tan, abilolado.
Como tan-tan? se perguntou Sasha. Eu já vi vários loucos nas ruas e nenhum tinha medo de polícia, refletiu. Ao contrário, a polícia é que tinha medo deles, se assegurou.
- Ninguém vai tomar uma providência? perguntou Sasha.
- Calma Sasha! Calma!
- Senta aí Cesar, que daqui a pouco os policiais vão embora.
Mas Sasha não se deu por rogado.
- Se ninguém toma uma providência eu mesmo vou tomar.
Foi ao seu quarto, pegou seu badogue, uma faca, um revolver calibre 32, da Estrela, com espoletas em rolo, que a cada disparo soltava fumaça, fazia barulho e recarregava. Pegou uma pistola 765, importada, com carregamento pelo cabo com pente de balas de plástico, e até uma metralhadora giratória, luminosa e sonora, de grande efeito visual. Armou-se todo e seguiu em direção à porta.
- Não saia, Sasha! Não saia! disse Cesar. Eles podem te ferir.
- Primo, eu só tenho medo da kriptonita, porque ela me enfraquece, o resto eu destruo com minhas armas. Vou dar uma lição neles e nem vou precisar tomar espinafre.
- Saaasha, olha a violência, gritou uma mulher da mesa. Use o diálogo, filho.
- Eles sairão por bem ou por mal, assegurou Sasha abrindo a porta.
- Êi, seus covardes! Vocês querem pegar meu primo por quê? Por que não pegam a mim? E girou a metralhadora, que espalhava sons e luzes enquanto fulminava os sitiantes. Tá-tá, tá-tá-tá-tá. Tá-tá, tá-tá-tá-tá. Tá-tá, tá-tá-tá-tá. Tá-tá, tá-tá-tá-tá.
Quando terminou o serviço, Sasha entrou em casa e disse para o primo.
- Primo, quem não correu morreu. O campo tá limpo. Qualquer coisa é só gritar Shazan que eu apareço. Toma aqui esse amuleto.
Cesar saiu, olhou ao redor da casa, nada viu de vivo, voltou e disse para Sasha.
- Valeu, Sasha! Mas precisamos tirar esse monte de cadáveres do passeio senão vai ficar a prova do crime.
- Fique calmo, primo. Daqui a pouco os corvos da meia-noite passarão e não deixarão um só deles aí na porta. Pode ir tranqüilo.
- Você está bem, filho? Perguntou a mãe de Sasha.
- Eu estou, mas temo que os policiais lá de fora não estejam.
- Você matou todos?
- Uns cinco conseguiram fugir, mas creio que todos ficaram baleados.
- Quantos eram no total?
- Matei cinco, se cinco fugiram, era dez o total.
- Uhm! Na aritmética você está bom, já sabe contar os mortos.
De repente alguém apita seu apito estridente e bate na porta. Era seu Fulgêncio, o guarda noturno.
- Boa noite, dona Amerina!
- Boa noite, seu Fulgêncio. Alguma novidade?
- Gostei, viu! Gostei da atitude do Sasha, dona Amerina. Menino de coragem esse seu guri. Escorraçou mais dez policiais aí na porta. Pegou a metralhadora dele e saiu atirando e gritando. Um fuzuê! Uns cinco policiais se jogaram no chão e outros cinco fugiram em debandada. Quando Sasha entrou em casa, os cinco que se deitaram no chão se levantaram e saíram correndo, pareciam almas penadas. Gritavam: “É o Diabo!” “É o Diabo!” O que tem de valente esse menino, dona Amerina, tem o primo de covarde, de frouxo!
- Seu Fulgêncio, o que é que o senhor está me contando?
- É isso aí que a senhora acaba de ouvir, dona Amerina. Todos fugiram!
- O senhor está me dizendo que todos fugiram?
- Todos fugiram! Repetiu seu Fulgêncio.
- Todos fugiram! Apenas os mortos ficaram, pois mortos não andam! corrigiu Sasha.
Os que estavam à mesa, jogando buraco, gritaram em coro:
- Todos fugiram! Passem o morto! Todos fugiram! Canastra Real.
Prezados leitores, vai, me escutem, digo eu agora:
Todos fugiram! Acreditem se quiser. O limite entre o delírio, a alucinação, e a realidade observável, nada mais é que a metralhadora giratória do Sasha.
Todos fugiram e o cerco a Cesar foi derrubado!
Ave! Cesar. Ave! Sasha! Ave! Metralhadora.
Repitam comigo, em coro: Todos fugiram!
- Todos fugiram!
Lauro de Freitas, 28 de março de 2010.
Ruy Penalva
Post-Scriptum: Todos fugiram! Pensem nisso.
www.myspace.com/ruypenalvamusic
domingo, 4 de abril de 2010
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