Eu Quero A Menina

Eu Quero A Menina (Ruy Penalva) Só não viu foi quem não quis O perdão tergiversar Quando aquele monstro feiticeiro Tomou conta do lugar Chegou, pediu, minto, exigiu A mais linda virgem pra levar A mais atraente A mais comovente A mais sempre a mais dentre as mais Pegou a menina Levou a menina Roubou a menina, sumiu Ninguém soube dela Ninguém mais revela Ninguém disse ao menos um piu! Já depois muito depois Bem no céu apareceu Um grande cometa Talvez um planeta Eu sei uma estrela nasceu Eu quero a menina Me tragam a menina Eu quero a menina porque No fim novela Só eu gosto dela Só eu vou poder desfazer Tamanho encanto Dum forte quebrando Que um dia pôs tudo a perder Um grande momento Meu contentamento De um dia casar com você

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sábado, 7 de maio de 2011

Dona Aurinda e o Very Good


                                                         Dona  Aurinda  e o Very Good

        Dona Aurinda costumava contar uma anedota sobre um médico do interior que formou o filho em medicina, se aposentou, e lhe passou a clientela. O primeiro caso atendido pelo novo  doutor foi um paciente  do pai, que tinha úlcera no estômago; ou seria no duodeno?; que  o filho curou em 30 dias e foi recriminar o pai lhe dizendo:
-          Meu pai, eu curei o senhor fulano de tal em 30 dias e o senhor não conseguiu curá-lo durante uma vida. Ao que o pai lhe retrucou:
-          Mas se curasse todo paciente em 30 dias eu não tinha conseguido formá-lo…
        Conheci um mecânico que fazia a mesma coisa, ou algo mais elaborado: consertava uma coisa e quebrava outra, sem contar que dizia ter trocado várias peça do carro sem tê-lo feito, o nome dele é Aurélio.
        Antigamente, não havia e-mail, havia telegrama mesmo, pela ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Um telegrama demorava cerca de  5 a 7 dias para ser entregue, uma carta simples 15 dias, uma carta registrada demorava um mês. Se alguém precisasse algo mais rápido tinha de passar um telegrama pela Western Telegraph, uma empresa americana, que também operava serviços postais não subsidiados no Brasil. Era conhecido o termo “passei um Western” equivalente  ao  “mandei um sedex” de hoje.
        Brasileiro sempre tem um jeitinho, uma maneira de conseguir sobreviver. Em idos tempos, funcionário público ganhava mal e trabalhava  até muito, diferente de hoje que ganha até bem e não trabalha quase nada, tudo peixe, nada. O pessoal do ECT então ganhava péssimo, mas dava um jeitinho, principalmente o pessoal dos caixas que operava - dá uma vontade de escrever operavam - pessoal,  aquelas máquinas analógicas pré-históricas, barulhentas, decibelômetras, uma espécie de computador  à manivela. Somavam, registravam, carimbavam e a seguir abriam suas enormes gavetas para disponibilizar o troco. Ninguém tinha lesão por esforço repetitivo, coisa de tempos modernos. Lê tá com LER, lé com cré, dourada Creusa.
        Quando alguém era breve e conciso dizia-se que era telegráfico, tipo: Chego amanhã noite. Bjs Fulano; ao invés do: Querida, eu chego amanhã de noite, viu Bem! Bjs do seu Fulano de Tal. Ora, o telegrama era pago por números de palavras, que formavam faixas de preço. Quando alguém não era telegráfico, era prolixo, e saía sem pedir recibo, o agente postal editava o texto, tirava os artigos, as conjunções, as preposições, os excessos, e o telegrama caía de preço. No final do expediente toda sobra de caixa ia para o bolso do caixa e isso podia representar até uma fração razoável do salário baixo. Isso era o Very Good, provavelmente  homenagem a algum gringo VG. Esse verigud era um complemento absolutamente necessário no orçamento do funcionário, não dava mais pra viver sem ele. Numa repartição calorenta, sem conforto, com banheiros fedorentos, privadas infiltradas de óxido de ferro, só o verigud e a amizade dos colegas compensavam. Aqui e acolá chegava um matuto pobre querendo passar um telegrama e por pura pena o próprio funcionário redigia,  sem o verigud, claro. Mas nesse caso tinha a gorjeta do agradecido cliente, quase sempre.  Quando o cliente queria recibo aí não tinha verigud. Very Good era toda sobra de caixa, mas não raramente podia haver falta no caixa por algum troco errado, quando então se tornava Very Bad, presume-se. Com o VG se podia comprar nos pequenos mercados, comprar acarajé, pão, pois não havia essa fartura farta de hoje em dia, que exige muito dinheiro para viver. Na porta do cinema Guarany, depois Glauber Rocha, tinha uma baiana que vendia uns acarajés com camarões espetados que eram uma delícia. Se comprava com o quê? Com o verigud, claro.
       Tudo está bem quando termina bem e o VG parecia uma coisa que fluía; tinha a cumplicidade de todos, exceto a cumplicidade dos que não trabalhavam nos caixas e não tinham o verigud. Funcionário público se virava. Ora fazia um crediário num carnê, comprava na venda com caderneta. Ostra, sarnambi eram comida de pobre e se comia à vontade àquele tempo.  Também vez por outra os funcionários se complicavam nas mão de agiotas que emprestavam a 5% ao mês, metade do que cobram os bancos brasileiros de hoje sem inflação. Sempre havia um caixa para os endividados serem contemplados nas primeiras prestações e se torcer para que pagassem as últimas, mas a inadimplência não era tão alta, pois nesse intermezzo ele fazia outro caixa para pagar o caixa anterior, uma técnica que se chama bicicleta. Dona Aurinda foi a precursora  da expansão do crédito mundial com essa frase lapidar "Se Deus vender à prestação eu compro" quando perguntada pelo filho se ela lhe podia dar o mundo todo, pois ele não queria só um pedaço. Vejam que sapiência de Dona Aurinda: o problema não era o valor do bem, mas um valor de prestação que coubesse no seu orçamento, e esse é o princípio da teoria do crédito. Como disse Zaratrusta: "Caro é o que não tem preço". Tudo que tem preço é barato, pois é adquirível.
        Os tempos foram passando, o guri de Dona Aurinda foi crescendo, até que adquiriu certa independência econômica. Quando soube que ela ainda persistia no Very Good a aconselhou a deixar a prática, posto que ele podia muito bem suprir aquela fonte perene de recursos verigudescos.  Dona Aurinda deixou? Nada, continuou às escondidas até o dia que a coisa foi descoberta e Dona Aurinda se viu em palpos - dá vontade de escrever palcos - de aranha. Abriu-se um sindicância interna, funcionários foram demitidos e Dona Aurinda exilada para uma repartição de um bairro periférico, um espécie de Tártaro da mitologia grega. Foi pro Curuzu.
       - Não te disse, falou-lhe seu ex-guri, agora vou te dizer uma coisa que a senhora dizia pra mim: "Quem não ouve conselho, ouve coitado". Dona Aurinda fez um muxoxo.
       - Mas era tão bom...  disse Dona Aurinda. Lembra da estória do médico? Ajudou a te formar...
      O Very Good devia ser bom mesmo. Não tão bom quanto aquela brincadeira de balão-beijo que uma garota de Salvador tentou ensaiar com o filho de Dona Aurinda quando ele era ainda menino, e que ele recusou, embora estivesse morto de vontade de dar um beijo naquela assanhada que a terra se encarregou de destruir ainda muito cedo, muito bonita ainda, já agora casada, mas não mais disposta a brincar de balão-beijo com ele.
       Caros amigos, por mais que um coisa seja errada só se arrependam do que vocês não fizeram; o que fizeram é experiência que pode ser revivida e redeliciada. A vida é um filme cada dia mais modorrento no presente e mais incerto no futuro, só nos resta fazer um rebobinamento no rolo da memória e aqui e ali se lembrar do que valeu e do que não valeu. A terra comeu Dona Aurinda e um dia vai comer  o filho dela também - vixe - depois será  a vez de comer a quem está no aquém do além. A vida não é um Very Good in spite of a vida é um Very Uncertain.
      Todo balão se apaga, nem todo beijo afaga, mas não é por isso que você vai parar de beijar todo mundo que possa.


Lauro de Freitas, 22 de março de 2011.

Ruy Penalva

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