Eu Quero A Menina

Eu Quero A Menina (Ruy Penalva) Só não viu foi quem não quis O perdão tergiversar Quando aquele monstro feiticeiro Tomou conta do lugar Chegou, pediu, minto, exigiu A mais linda virgem pra levar A mais atraente A mais comovente A mais sempre a mais dentre as mais Pegou a menina Levou a menina Roubou a menina, sumiu Ninguém soube dela Ninguém mais revela Ninguém disse ao menos um piu! Já depois muito depois Bem no céu apareceu Um grande cometa Talvez um planeta Eu sei uma estrela nasceu Eu quero a menina Me tragam a menina Eu quero a menina porque No fim novela Só eu gosto dela Só eu vou poder desfazer Tamanho encanto Dum forte quebrando Que um dia pôs tudo a perder Um grande momento Meu contentamento De um dia casar com você

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quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Chieko - Conto- Ruy Penalva

Chieko


O HADC não era propriamente um hospital para diagnóstico e tratamento de doenças, mas um depósito de doentes crônicos, paraplégicos, tetraplégicos, neuropáticos, uma espécie de hotel de deserdados pelo destino e pela família. Os doentes que entravam lá nunca passavam menos de um ano internados e havia mesmo pacientes com cinco ou mais anos depositados ali como se fossem poupança para aposentadoria da tranqüilidade da família. Eram cadeirantes, macantes, amuletados, atróficos, distróficos ou simplesmente deambulantes sem parentes, sem apoio, sem perspectiva no mundo real, como um que sofria de hiperceratose palmo-plantar idiopática e que estava ali apenas pelo aspecto repugnante que representava aos olhos de terceiros. A aparência repugnante também era motivo para o depósito naquele lugar. Não era um hospital para loucos, mas um hospital do não futuro, da desesperança, a última parada antes da última e verdadeira parada. Todos que ali estavam e de certa maneira podiam pensar, elaborar, meditar sabiam que ali era o seu purgatório, o seu ponto de não retorno, o lugar que haveriam de conviver para o resto da vida como prêmio de consolação, a opção de múltipla escolha com todas as opções iguais. Havia uma ou outra exceção à regra, como em tudo há, mas normalmente a alta se dava pela baixa e a baixa se dava pela alta.
O homem, especialmente o homem jovem, pode ficar doente de quase tudo no corpo, exceto do desejo, que não fica no corpo, mas na mente, embora no corpo se expresse de maneira insofismável, que o seu apetite sexual se mantém firme e forte, e isso explica o porquê de muita coisa rolar naquele lugar entre pacientes que aparentemente só deviam sentir dor, tristeza, mal estar, vontade de morrer, depressão. Masturbação, sexo, bolinação, exibicionismo, voyeurismo, sadismo, masoquismo, existe mais alguma coisa que eu não citei? Havia por lá. O odor do local, mormente o matinal, era horrível. Urina, uréia, fezes, secreções, tudo isso devidamente corrigido pelas mãos santas do técnico de enfermagem. Se existe alguém que merece o céu esse alguém é o técnico de enfermagem, principalmente aquele que faz asseio de pacientes que defecam, urinam, fazem todo tipo de necessidade no leito. Não pensem que eles fazem com a cara feia, amarrada, de mau humor o seu serviço, o fazem como soldados escalados pelo destino. Santos profissionais esses que a sociedade não valoriza tanto quanto deveria valorizar e que não ganham tanto quanto deveriam ganhar, se é que dinheiro paga o enorme serviço que prestam. Normalmente são mulatos, mestiços, mulheres, gays vindos da classe econômica inferior, da base da pirâmide, mas que se mostram superiores a quaisquer outros vindos de classes que lhe são economicamente superiores.
No HADC o papel do médico era meio passivo, limitava-se a drenar abscessos, cuidar de escaras, dissecar veias, ministrar antibióticos, vitaminas, drogas anti-neuropáticas, anti-álgicas, controlar nível de glicose e outras pequenas intercorrências; drenando todos os procedimentos maiores, tipo grande cirurgias, para o hospital de referência, que depois devolvia o paciente ao depósito de origem. O HADC era normalmente tocado por residentes, uma espécie de exílio curricular obrigatório que todo mundo ia de cara amarrada. O papel da enfermagem era mais passivo ainda, e quase burocrático para dizer a verdade. Checar medicações, fazer escalas de plantões, ouvir as queixas dos pacientes e filtrar o importante para os médicos, gerenciar os técnicos de enfermagem, entre outras coisas. Tudo era ruim e chato no HADC se não fosse a Chieko.
Chieko era uma enfermeirinha nissei, sansei, não-sei, gostei. Baixinha, discreta, tímida, óculos de grande dioptropia, bunda chulada, pernas grossas e curtas, cintura baixa. Para o padrão japonês podia ser considerada acima da média. Tinha um fácies de haraquiri sexual, para quem sabe descobrir esses fácies escondidos entre os milhares de fácies disponíveis em cada mulher. Tinha um não-sei-quê que apontava para alguém que seria voluptuosa sexualmente. Dessas pessoas que você não dá nada e de repente: música, câmera, ação: eis o vulcão.
Quando Jô Ígar chegou ao HADC para o seu exílio de 30 dias foi em quem ele pôs logo os olhos de primeira antes de olhar para os pacientes que eram o real motivo da sua estada ali.
No início ele dizia gracejos e ela respondia com um risinho. Depois ele começou a tocá-la de mansinho e ela não refusava o carinho. Um dia ele lhe deu um beliscão, falso beliscão, na bunda e ela fez que nada sentiu, esboçando um risinho de quem diz: Que jeito, gostei!
- Deus meu! A única coisa interessante aqui é a Chieko, disse Jô Ígar para si mesmo.
Plantão médico é uma coisa que despiroca o indivíduo. Se ele for do tipo hipoativo ele tolera bem, mas se ele for do tipo hiperativo, como o Jô Eager, ele pira. O hiperativo sofre também de hiperatividade libídica quase sempre, quando essa não é a sua principal fonte de hiperatividade. Momentos de grande tensão só podem ser aliviados com uma grande loucura, um grande desafio, um grande risco, daqueles que riscam o céu do zênite ao horizonte.
Uma coisa Jô Eager sabia: Chieko estava no papo. Mas ele precisava definir onde, como e de que maneira. Sentia uma enorme necessidade de uma estripulia e sabia que o melhor sexo é o fast sex; aquele que você não tem que ficar com o fardo de agüentar o papo, o compromisso, a chateação, o namoro, o casamento, a família, os filhos, a fidelidade. Diferente do fast food, que é comida de turistas e shopistas, o fast sex é uma espécie de fast should, ou seja, um dever breve, rápido, ligeiro, full gás. Jô Eager ficou pensando como faria uma coisa diferente com a Chieko. Convidá-la para sair, não seria diferente. Pedi-la em namoro, também não. O que então? Aqueles amassos na enfermaria, à luz do dia, já tinham esgotado o encanto. Tinha que ser uma coisa que desafiasse ele, ela, o momento, o establishment. Uma coisa que desafiasse o perigo. Uma coisa Jô Eager.
- Deus meu, pensou o ateu. Hoje à noite, na hora que todos estiverem dormindo, eu vou fazer sexo com a Chieko no posto de enfermagem. Ela vai estar de plantão. Eu vou estar de serão e com tesão.
A noite chegou, Jô saiu com os amigos para uma cerveja fora do Hospital, retornou bem tarde, despediu-se de todos e foi dormir com o colega que dividia com ele o mesmo quarto no exílio. Fez de tudo para não dormir. Aguardou até o seu colega roncar, levantou-se, certificou-se que ele estava dormindo, e estava, foi até a porta, abriu, fechou devagarzinho e saiu direto para o posto de enfermagem.
Eram três horas da madrugada e Chieko ainda estava lá, sozinha, de ninguém, como o diabo gosta, e mais gente também. Ele saiu descalço do quarto para não fazer barulho, mas de meias. Olhou pelos corredores, certificou-se de que não havia ninguém por perto, conferiu as escadas, entrou e trancou a porta do posto. Ao chegar deu um beijo na boca de Chieko como nunca tinha podido dar antes nas enfermarias e foi para o sofá. Deitou-se, abriu a braguilha, ficou à vontade e disse para ela:
- Você pode vir até aqui no sofá que eu hoje estou completamente paraplégico?
Ela já descontrolada, vesga, respirando fundo, com cara de suicida, disse pra ele:
- Posso ir de muletas?
Ele respondeu:
- Pode sim, mas antes tire sua fralda descartável que eu já estou tetraplégico.


Lauro de Freitas, 01 de maio de 2010.

Ruy Penalva
www.myspace.com/ruypenalvamusic

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