Dona Emília
Parte l - Convocação dispensável (leitura também) posto que jamais faltariam.
Chamem todos:
Chamem os irmãos Valtex, Valney e Valmick, a burralda, o cachorro vacionado, Bobó e o monstrinho que ruava, Elói zamino napurá.
Chamem Chico Naiana e a Ilustre Casa de Ramires, Verbiage e sua parolice, Tom, Bira Peixe, o Departamento de Investigação da Vida Alheia, Bell e quem mais puder chegar.
Chamem Filipeta e sua filha Belo, cujo siriáco tinha vitamina, conforme dizia a canção: É Belo, Belo, é chique, chique, o siriáco dessa menina, como é gostoso, tem vitamina... Chamem.
Chamem Alzenita, Causa nos Peitos, Edson banguelo, Pacatinho, Onze Anos, a cobra de barba e bigode, Biú Isabé, podem mandar chamar.
Chamem todos os punheteiros do Amparo, que afogavam o ganso no chão de barro, pra tirar sarro e poder se aliviar. É de cocó é de conveniência. Assim que é bom que não dá doença.
Chamem a prostituta Zoió, que aliviava os meninos, oh! Em múltiplos de dez, mó, por qualquer merréis, só. Era entrar pra gozar.
Chamem o velho Paulo e seu filho desmarcado, que tinha um cacete tão avantajado, que era difícil mulher pra testar.
Chamem Cabocla, Mucinha, Adriano, o doutor Pasta Pura, todos que queiram se aprochegar.
Chamem Paturi, Catita, Tatu, Guru-Guru, todos os bêbados e bichas que puderem e quiserem chegar.
Chamem o médico que atestou que o cabaço de Gladys foi quebrado numa queda, seu Barroso, dona Lia, venham todos, é folia, hoje eu lhes posso contar.
Chamem o goleiro Barbosa, anêmico de tanto bater punheta, pois cada bronha batida eram três gotas perdidas. Chamem-no.
Chamem o Papa-Figo, o Capelão alemão com sua Jeepa e os caminhões de bocetas que eram despejadas todos os dias no Rio das Tripas e apareciam boiadas e abocetadas, afogadas ao mar.
Chamem o Dr. Borô, que muita uretra com nitrato estenosou, e de Salvador, esse é outro sô! chamem de anjos o maior tirador, pois meu amor, hoje eu não vou abortar.
Chamem Jorge Gaiola, hermeneuticamente falando, que criava versos brechtianos, e emocionadamente recitando-os ia o Partidão enganar.
Chamem Paulo e sua namorada pingueluda, que não lhe mostrava a beiçuda, pra ele não se decepcionar.
Chamem o Pedrão, que nos bailes do Baiano, entrava nas pontas dos pés pisando, pra não se ferir nos cacos de cabaço, aqui e ali perambulando, verdadeiros perigos a se contornar.
Chamem Rato, Manolo, Dona Bárbara, seu criatório de pulgas, e aquela sopa rala, inodora, insossa, água pura, que não dava nem pra encarar.
Chamem Vadinha e seus corrimentos, Celso e os seus lamentos; se não vier, viu Vadinha! eu também vou espalhar.
Chamem a Detinha e seu marido Odilon, bexiguento, que quando dava a noite e calmava o vento, só queria no seu franzido fofar. Podem chamar.
Chamem a todos que não me esqueci, mas que por falta de espaço aqui, somente por isso aí, digo-lhes, resolvi, nesse momento, não chamar.
Parte II – Dona Emília – Para se ler
- São os comunistas Tézinho! São os comunistas! Estão no telhado. Vão invadir a casa, como faziam quando eram associados com Lampião. O monstro assobiador também taí.
- Calma, vó Emília. Calma!
- Chame Cibola Tézinho, chame Cibola.
- Vou chamar, vó. Vou chamar.
E Tézinho pegava um telefone mudo, sem ligação nenhuma à rede, daqueles imensos, preto, de baquelite, só visto hoje em réplicas ou casa de antiguidades.
- Alô Cebolinha! aqui é o Tel.
- Diga aí, Tézinho. Tudo bem?
- Não Cebola, nada bem. Os comunistas estão no telhado querendo invadir a casa e parece que hoje eles trouxeram o monstro assoviador. Vó Emília está assustada.
- Tudo fechado, Tézinho! Tudo fechado! Trancas nas portas. Liga o rádio alto para eles saberem que tem gente. Ligue para o delegado Pimenta e relate o fato.
- Que foi que Cibola disse, Tézinho?
- Tudo sob controle minha avó. Pediu para fechar tudo, apertar as trancas, ligar o rádio bem alto e chamar o delegado Pimenta.
- Eles são é covardes, Tézinho. Só aparecem de noite, quando não tem ninguém. No interior eles matavam e comiam as criancinhas e todo lugar que chegavam destruíam tudo. Unha e carne com Lampião.
- Delegado Pimenta?
- Quem fala?
- Sou o Tézinho, filho do Cebolinha, ele pediu que eu ligasse para o senhor para o senhor mandar prender os comunistas que estão aqui em cima do telhado.
- Esses comunistas não se emendam! Estou indo pra aí, Tézinho.
- Delegado, delegado, não desligue, ouça, ouça, traga também uma jaula para prender o monstro assoviador.
- Que tamanho que você calcula que esse monstro tem?
- Uns dois metros, delegado, e é peludo.
- Fique tranqüilo, Tézinho. Estarei chegando aí daqui a pouco.
- Tá vendo! Tézinho. Bastou Cibola tomar umas providências que eles já estão indo embora. Até o assobiador parou de assobiar. Eles sabem com quem estão lidando, Tézinho.
E vó Emília dormia, pegava no sono. Tézinho então guardava o aparelho em que falava consigo mesmo e ia dormir. Durante o dia, nem os comunistas nem o monstro assoviador apareciam. Eram covardes. Só a noite podia os trazer de volta. E essa rotina se repetia com freqüência, embora nem toda noite.
- Tá ouvindo, tá ouvindo, Tézinho?
- O quê, minha vó?
- Os comunistas de novo!
- Minha vó, hoje estou achando que são uns gatos no telhado.
- Comunista tem arte, Tézinho. Eles aparecem de gato, de rato, de tudo quanto é bicho. Ligue para Cibola.
- Tézinho, acho que eles hoje trouxeram a volante inteira. Vão invadir. Vão invadir. Ligue para Cibola.
E Tézinho corria pegar o telefone que deixava embrulhado no quarto e começava encenar todo ritual novamente.
- Cebolinha?
- Quem fala?
- É Tel, Cebola. É Tel.
- Tudo bem Tézinho?
- Não Cebolinha! Os comuniiistas novamente, e hoje eles trouxeram a volante inteira. Minha vó Emília está assustada.
- Ligue para o delegado Pimenta, Tézinho. Hoje a gente prende esse bando e enforca.
- Ok, Cebola, vou ligar.
- Delegado Pimenta?
- Que fala?
- É o Tézinho, filho do Cebolinha?
- Diga aí, Tézinho. Alguma anormalidade na área?
- Os comunistas, delegado. Os comunistas?
- De novo, Tézinho?
- De novo, delegado. Eles perseguem minha vó desde os tempos de Lampião.
- Aquele lá tá morto, Tézinho. Esses aí precisamos matar. Estou indo praí já.
- Combinado delegado. Vó Emília agradece.
- Que foi que o delegado disse, Tézinho?
- Que tá vindo pra cá, vó. Ele que ver se pega os comunistas hoje de surpresa e enforca tudo.
- Fecha as portas e as janelas, Tézinho. Liga o rádio.
- Exato, minha vó. E isso que eu já vou fazer.
De repente alguém bate à porta. Tézinho vai atender.
- Não abra, Tézinho. Não abra. São os comunistas! São os comunistas!
- Calma, vó! Calma! Pode ser o delegado Pimenta!
- Valtex, Valtex!
- Quem é?
- É o Bruno, Valtex.
- Que houve cara?
- A polícia, cara! A polícia prendeu um bocado de companheiros, fechou um bocado de aparelhos, está de campana na frente minha casa, eu preciso me esconder por uns quinze dias aqui com você.
E Valtex abriu a porta, deixou o Bruno entrar, sentaram no sofá e começaram a conversar baixinho. De repente chega vó Emília.
- Quem é esse, Tézinho?
- É o delegado Pimenta, minha vó. Veio passar quinze dias conosco para ver ser prende os comunistas que estão tentando invadir nossa casa.
- Cibola tá sabendo disso?
- Tá. Foi ele quem mandou, vó Emília.
- Muito prazer delegado! Agora posso dormir tranqüila! Que bom que é ter um genro como Cibola...
Lauro de Freitas, 22 de março de 2010.
Ruy Penalva
www.myspace.com/ruypenalvamusic
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
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