Eu Quero A Menina

Eu Quero A Menina (Ruy Penalva) Só não viu foi quem não quis O perdão tergiversar Quando aquele monstro feiticeiro Tomou conta do lugar Chegou, pediu, minto, exigiu A mais linda virgem pra levar A mais atraente A mais comovente A mais sempre a mais dentre as mais Pegou a menina Levou a menina Roubou a menina, sumiu Ninguém soube dela Ninguém mais revela Ninguém disse ao menos um piu! Já depois muito depois Bem no céu apareceu Um grande cometa Talvez um planeta Eu sei uma estrela nasceu Eu quero a menina Me tragam a menina Eu quero a menina porque No fim novela Só eu gosto dela Só eu vou poder desfazer Tamanho encanto Dum forte quebrando Que um dia pôs tudo a perder Um grande momento Meu contentamento De um dia casar com você

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domingo, 31 de outubro de 2010

O Pre-Sal por Consuelo Dieguez para Revista Piauí


Achar petróleo a 5 mil metros de profundidade exigiu centenas de milhões de dólares e uma operação de guerra. Será preciso muito mais para tirá-lo de lá

CONSUELO DIEGUEZ

"Carminatti, aqui não tem óleo, só tem água."

Era um domingo, no final de agosto de 2006. Mario Carminatti, o

geólogo-chefe da Petrobras, acabara de tomar o café da manhã em sua
casa, em Niterói, e ouvia, atônito e paralisado, a notícia que Gilberto
Lima, o gerente-geral de operações exploratórias da companhia, lhe
passava pelo telefone. Ao recobrar a fala, Carminatti, um gaúcho de 53
anos, cabelos tendendo ao grisalho, olhos azuis e sotaque carregado,
respondeu: "Não é possível, tchê, não faz sentido. Vamos mais fundo
nesse poço, tem que ter petróleo aí embaixo."

As horas que se seguiram foram de angústia. Se a perfuração continuasse
indicando que o poço RJS-628A, na Bacia de Santos, não tinha óleo,
significaria o fracasso de um projeto que começara seis anos antes,
demandara milhares de horas de pesquisa e queima-ra milhões de dólares
em complexas operações de engenharia.

Na segunda rodada da licitação da Agência Nacional do Petróleo, em 2000,
a Petrobras arrematara quatro áreas - chamadas de "blocos" nos meios
petrolíferos - na Bacia de Santos, que era quase desconhecida pelos
geólogos. Para obtê-los, a empresa se associara à British Gas, à
portuguesa Petrogal, à espanhola Repsol-YPF e à americana Chevron.
Juntas, elas desembolsaram 285 milhões de dólares. Com uma participação
de mais de 60% no negócio, a companhia brasileira entrara com a maior
parte dos recursos.

Com as descobertas dos campos gigantes de Marlim e Roncador, na Bacia de
Campos, na década de 90, Santos ficara abandonada. O desinteresse se
justificava, ademais, pela incerteza de ali haver óleo: os estudos
preliminares não haviam sido animadores. Com o fim do ciclo de
descobertas na Bacia de Campos, a Petrobras tinha que recompor suas
reservas de 14 bilhões de barris. Só então a Bacia de Santos surgiu como
alternativa de prospecção.

Dirigida na época pelo economista Henri Philippe Reichstul, a estatal
encomendou um programa de dados sísmicos em três dimensões - o maior
desenvolvido até então no mundo - para mapear a área de 20 mil
quilômetros quadrados dos quatro blocos. Por meio de explosões que
emitiram ondas sísmicas, os aparelhos de 3D instalados em
navios-plataforma produziram imagens do fundo do mar. O programa levou
dois anos até gerar dados que pudessem ser interpretados pelos geólogos
da companhia.

As imagens captadas revelaram a existência de grandes elevações sob uma
extensa camada de sal - em teoria, elas poderiam ser reservatórios de
petróleo. "As evidências eram muito boas", contou Carminatti durante uma
conversa em sua sala, na sede da Petrobras, no centro do Rio. "As
imagens indicaram a existência de alguns dados vitais: uma rocha
geradora de petróleo, com uma rota fí-sica por onde ele pudesse passar;
uma rocha-reservatório, onde o óleo pudesse se acumular; uma rocha que
pudesse aprisioná-lo e, por fim, um selo fechando toda essa estrutura. E
não poderia haver selo melhor do que uma camada de 2?quilômetros de
sal."

Em fevereiro de 2003, a elite dos técnicos da empresa - um grupo de
vinte geólogos, geocientistas e engenheiros - reuniu-se a portas
fechadas para ouvir as conclusões do estudo. Carminatti informou-lhes
que havia a possibilidade de existir grande quantidade de petróleo na
região. Mas isso só poderia ser comprovado com a perfuração dos poços, o
que gerava dois problemas descomunais. Primeiro, as áreas com potencial
ficavam entre 5 e 7 mil metros de profundidade. E o máximo que a
Petrobras havia atingido era uma profundidade de 1 886 metros - o que já
era um recorde mundial. Em segundo lugar, tratava-se de buscar petróleo
em rochas desconhecidas, que estavam ali há 120 milhões de anos, antes
mesmo de serem cobertas pelo mar e de o sal ter se acumulado sobre elas.
Cabia àquele punhado de técnicos analisar, de início, se valia a pena
dar continuidade ao projeto. A companhia estaria disposta a investir
milhões de dólares num projeto novo e sem garantia de haver petróleo?
Decidido o prosseguimento, seria necessário definir a prioridade na
exploração - ou seja, dos quatro blocos adquiridos, qual seria
prospectado primeiro, com base nos estudos sísmicos.

Havia, por fim, uma questão legal. Pelas regras da Agência Nacional do
Petróleo, a ANP, as empresas que adquiriram blocos em leilão tinham um
prazo para estudar os dados obtidos com os levantamentos sísmicos. Feito
isso, deveriam optar ou não pela sua exploração, mas podiam permanecer
com no máximo 50% das áreas, devolvendo o restante para a Agência. E era
aquele grupo que teria que indicar as áreas a serem devolvidas. "Tudo
isso gerou uma ansiedade muito grande", lembrou Carminatti. "Todo o
nosso conhecimento geológico estava sendo posto em xeque. Um erro de
avaliação poderia causar pesados prejuízos à Petrobras e a seus
parceiros."

Àquela reunião seguiram-se inúmeras outras, cada vez mais tensas. Parte
do grupo achava um delírio perfurar a mais de 5 mil metros de
profundidade, numa área desconhecida. "Não era só a questão de se
haveria ou não o óleo, mas se teríamos equipamentos para descer a tal
profundidade e como se comportaria a camada de 2 quilômetros de sal, que
nenhuma empresa no mundo jamais ousara atravessar", disse Carminatti. O
grupo não chegou a um consenso. A posição majoritária, de continuar com
o projeto, foi levada a Guilherme Estrella, diretor de Exploração e
Produção da Petrobras.

Guilherme Estrella é um geólogo de 66 anos, cujo rosto rechonchudo e a
calva lhe conferem um aspecto bonachão. A imagem de sujeito pacato,
avesso a celeumas, se desmancha logo que começa a falar sobre o pré-sal.
No final de outubro, ele me recebeu em sua ampla sala, no 18º andar do
prédio da Petrobras, de onde se tem uma bela vista para as montanhas de
Santa Teresa. "Muita gente fala que tivemos sorte. Sorte uma ova",
disse. "O pré-sal é resultado do estabelecimento de metas exploratórias,
da exploração de petróleo na ponta da broca, sem saber o que vai acontecer. Temos ferramentas que diminuem o risco, mas elas
não garantem 100% o que vamos encontrar. Se não, qualquer um furava e
encontrava o óleo."

Estrella entrou na Petrobras em 1965 e trabalhou por 29 anos. Decidiu se
aposentar em 1994, quando ocupava um dos cargos de maior prestígio: o
de superintendente-geral do Centro de Pesquisas. Ele discordara da
decisão da em-presa de não promover dois geólogos por serem ligados a
Associação dos Engenheiros da Petrobras, na época crítica ferrenha da
direção da estatal. Viúvo, ele se mudou para Nova Friburgo, cidade na
região serrana do estado do Rio, onde costumava passar as férias na
infância. Lá, entregou-se pacatamente à leitura de livros de história
natural e filosofia e à observação da natureza: "Sempre fui uma pessoa
de múltiplos desejos e interesses. Fiz até curso de catador de semente,
subindo em árvores."

Em 2001, Estrella abandonou o idílio e envolveu-se com política
partidária, tornando-se presidente do diretório do Partido dos
Trabalhadores de Nova Friburgo. "Formamos uma chapa de oposição aos
candidatos da direção nacional do PT e vencemos", contou. "Nós éramos o
que havia mais à esquerda do partido." Com a vitória de Luiz Inácio Lula
da Silva nas eleições de 2002, José Eduardo Dutra, ex-senador do PT de
Sergipe, foi alçado à presidência da companhia, e chamou Estrella de
volta para a empresa, dessa vez para o cargo de diretor de Exploração e
Produção. "Eu já estava aposentado há oito anos, mas nunca havia perdido
o contato com a empresa", explicou. E brincou: "Ao contrário do que
acontece com a maior parte dos relacionamentos, a Petrobras é uma
relação para a vida inteira."

Seu retorno deu-se em meio a críticas, boa parte vinda dos setores
tucanos que haviam dirigido a empresa por oito anos. Dizia-se que era um
risco colocar um técnico defasado na diretoria, que é o coração de
qualquer companhia de petróleo. E se associou sua nomeação ao
"aparelhamento" da empresa. "Para me desmerecer, diziam que a Petrobras
tinha ficado tão ideologizada que estavam colocando na diretoria de
Exploração e Produção o presidente do microdiretório de Nova Friburgo",
contou, rindo.

"Quando cheguei aqui de volta, não encontrei uma empresa de petróleo",
ele lembrou. "A Petrobras tinha se transformado em uma instituição
financeira. Uma empresa de petróleo tem que correr riscos, tem que ser
agressiva na exploração, tem que investir muito e desenvolver tecnologia
e conhecimento geológico. Banqueiro não quer correr risco." Seu
discurso foi ficando mais inflamado: "Quiseram mudar a cultura da
companhia e transformá-la numa empresa exclusivamente comercial.
Quiseram trocar seu nome para Petrobrax, mas o povo brasileiro não
aceitou. Do Oiapoque ao Chuí se levantaram as mais diferentes vozes, da
esquerda à direita, e destruíram aquela iniciativa imbecil de apagar o
nome Brasil da maior empresa brasileira, nascida de nossas entranhas."

Estrella apontou para um mapa em que estão demarcadas as áreas hoje em
ex-ploração e, mais calmo, continuou: "Veja como as orientações para a
exploração de petróleo nos governos Fernando Henrique e Lula são
completamente diferentes. Nós vínhamos reduzindo drasticamente a
aquisição de blocos. Se não tivéssemos revertido essa tendência,
chegaríamos ao final de 2009 praticamente sem áreas para explorar."

Para comprovar sua tese, apresentou números que sabia de cor: "Em 1999, a
Petrobras adquiriu 24,3 mil quilômetros quadrados de área para
explorar. Em 2002, o número caiu para 14 mil. Em 2003, no governo Lula,
subiu para 21 mil e, em 2005, foram 40 mil quilômetros quadrados de
novas áreas." Os investimentos em exploração, segundo ele, também
aumentaram. Entre 1994 e 2002, a companhia investiu uma média anual de
536 milhões de dólares. De 2003 a 2006, a média saltou para 1,1 bilhão
de dólares.

O geólogo José Coutinho, antecessor de Estrella no cargo, justificou a
estratégia da Petrobras no governo Fernando Henrique em Infra-estrutura
de Energia e Transporte, livro organizado por José Luiz Alquéres. Nele,
Coutinho, funcionário de carreira, sustenta que a estatal teve que se
adaptar ao fim do monopólio do petróleo. Segundo ele, a Petrobras estava
fragmentada em várias ilhas, num imenso arquipélago: "Cada ilha não
compartilhava uma visão comum sobre o seu futuro no novo ambiente
competitivo. Fez-se, então, um plano estratégico que reestruturou o
sistema de governança corporativa e de gestão empresarial."

A visão de que a Petrobras deveria ser uma empresa como qualquer outra -
cujo objetivo é dar lucros a custos menores - é questionada por
Estrella. No seu entendimento, hoje as empresas de petróleo estão
separadas em dois grandes grupos: as NOCs, a sigla em inglês para as
companhias nacionais, e as INOCs, as internacionais. As NOCs são, entre
outras, a mexicana Pemex, a venezuelana PDVSA e a saudita Saudi Aramco.
Entre as INOCs estão a Shell, a Esso e a Chevron. "Ainda que joguemos o
mesmo jogo, somos bichos diferentes", disse Estrella. "As NOCs não podem
estar preocupadas apenas em dar ganhos aos acionistas, devem também
estar comprometidas com o desenvolvimento do país."

Gilberto Lima é o responsável pelo controle de todos os poços em
processo de perfuração pela Petrobras. Em sua sala, no 14º andar do
edifício-sede, ele passa a maior parte do tempo colado na tela do
computador, acompanhando on-line o que acontece em cada um deles. Quando
foi dado o sinal verde para o projeto do pré-sal, em meados de 2003,
Lima diz que a equipe se preparou para uma operação de guerra. "Passamos
meses estudando que equipamentos usar, treinando equipes, contratando
sondas e embarcações de apoio", contou. "Pela primeira vez buscaríamos
petróleo a tal profundidade e a 300 quilômetros da costa do Rio."

No dia 30 de dezembro de 2004, um navio-sonda foi enviado à Bacia de
Santos para a área - hoje chamada de Parati - apontada pelos geólogos
como a primeira a ser perfurada. Começava, oficialmente, a exploração no
pré-sal. A geóloga Sylvia Anjos é uma morena alta e sorridente. Ela
recordou a expectativa dos

seus pares com o início da perfuração. "Vínhamos de um período desanimador", disse ela. "Tínhamos passado cinco anos sem encontrar
petróleo em todas as áreas novas da Bacia de Campos." O mal-estar era
tamanho que os geólogos ficaram malvistos pelos engenheiros.

A área de Parati foi escolhida porque haviam sido identificadas rochas
turbidíticas, que ficam acima da camada do sal. Os turbiditos são
formados de areia igual à da praia. É nesse tipo de rocha que a
Petrobras explora petróleo na Bacia de Campos e onde estão assentadas
80% das reservas nacionais. A idéia era começar a exploração nessas
rochas já conhecidas e, se encontrassem petróleo ali, mais tarde
desviariam o poço e chegariam ao pré-sal.

O gaúcho Breno Wolff, gerente de Interpretação e Avaliação das Bacias da
Costa Sul, é o responsável por toda a Bacia de Santos. "Achávamos que
começar a exploração pelos turbiditos era uma forma de economizar",
disse ele. "Aproveitaríamos a mesma operação para procurar óleo acima e
abaixo do sal." Deu tudo errado. "As rochas foram atravessadas e não se
encontrou uma gota de óleo", contou. E a operação acabou ficando muito
mais cara do que o orçado.

Partiu-se, sem entusiasmo, para a perfuração nas rochas do pré-sal.
Wolff lembra a angústia daqueles dias. Antes de alcançar o pré-sal, a
sonda, uma espécie de broca gigante, encontrou uma ca-mada de 500 metros
de basalto - uma rocha dura, difícil de perfurar e sem acumulação de
petróleo. O basalto geralmente é encontrado no final da perfuração, no
que seria o fundo do poço.

A equipe decidiu, no entanto, atravessar a camada basáltica. Foram meses
de perfuração. As brocas quebravam e o trabalho tinha que ser suspenso
para que os equipamentos fossem reparados. E isso a um custo diário de
aluguel de sonda de 500 mil dólares. "Enfrentamos todos os obstáculos
nesse poço", lembrou Wolf. "Operações que costumávamos fazer em uma
semana em Campos, ali levávamos mais de um mês. Outras companhias talvez
não tivessem tido a ousadia de ir até o final."

Em meados de 2005, os parceiros no projeto - a Petrobras, a Chevron e a
British Gas - haviam desembolsado mais de 100 milhões de dólares. E
estavam longe de alcançar o pré-sal. Era um gasto inédito, quase
absurdo. O poço mais caro do mundo tinha sido furado pela Pemex e
custara 100 milhões de dólares, o que já havia sido considerado um
exagero. A média de custo de perfuração de poços na Bacia de Campos, por
exemplo, era de 18 milhões de dólares. Assustada com os custos e as
dificuldades, a Chevron abandonou o projeto. Parte de sua participação
foi comprada pela Petrobras e pela portuguesa Partex.

"O que nos fazia continuar era o fato de, durante a perfuração, terem
surgido sinais de gás", contou Wolff. No dia 30 de março de 2006, um ano
e três meses após o início da exploração e a um gasto de 240 milhões de
dólares, a perfuração de Parati finalmente chegou ao fim. Numa
profundidade de 7 600 metros, foi encontrado um campo gigante de gás e
reservatórios de condensado, um óleo leve, indicado para querosene de
aviação.

O resultado de Parati, apesar de a maior parte do reservatório ser de
gás, e não de óleo, animou a Petrobras a continuar a perfuração em
outros blocos. No dia 24 de março de 2006, uma sonda começou o trabalho
de perfuração do poço RJS-628A. "Aquela seria a nossa prova de fogo",
contou Wolff. "Se não achássemos petróleo ali, o projeto do pré-sal
teria que ser abandonado. Nem a companhia, nem os parceiros estariam
dispostos a investir tanto dinheiro em outras áreas cujo resultado
poderia ser o mesmo." Os custos de exploração do novo poço estavam
estimados em quase 100 milhões de dólares. Durante a perfuração, os
técnicos envolvidos no projeto viravam noites acompanhando o trabalho da
sonda.

Quando a broca finalmente atravessou a camada de sal e atingiu o
reservatório, a primeira interpretação foi desanimadora: não havia óleo.
Gilberto Lima lembrou que naquele domingo, no final de agosto de 2006,
recebeu um telefonema com a má notícia logo cedo. Em seguida ele ligou
para Carminatti. A sonda já havia atravessado 5 mil metros desde a
superfície do mar. Com a ordem desesperada de Carminatti para continuar a
exploração, a broca desceu um pouco mais. Só no final daquele dia eles
puderam relaxar. O RJS-628A, hoje batizado de Campo de Tupi, tinha óleo.
Já na manhã de segunda-feira houve uma grande comemoração na empresa.
"Foi uma descoberta tão espetacular que às vezes eu acho que estou
sonhando", contou Carminatti.

Em 2 de setembro, a perfuração foi encerrada. As análises indicaram que
só no Campo de Tupi existiam reservas de 5 a 8 bilhões de barris. O
sucesso levou à perfuração de mais sete poços. Em todos foi encontrado
petróleo. No poço de Iara, próximo a Tupi, foram comprovadas reservas de
3 bilhões de barris. Em novembro de 2007, o presidente da Petrobras,
Sérgio Gabrielli, e o diretor Guilherme Estrella contaram a boa-nova ao
presidente Lula, numa reunião no Centro de Pesquisas da Petrobras.
Disseram-lhe que toda a área do pré-sal - que se estende do Espírito
Santo a Santa Catarina - poderia ser um gigantesco reservatório de
petróleo. Como o risco exploratório era praticamente nulo, qualquer
empresa que perfurasse ali encontraria óleo.

No encontro com o presidente, Estrella argumentou que seria um crime
entregar essa riqueza a empresas que não correram o menor risco para
encontrá-la. Diante dessa possibilidade, o governo retirou os blocos do
pré-sal da nona rodada de licitação de zonas petrolíferas, que se
realizaria dias depois. Ao rememorar esse episódio Estrella se
entusiasmou: "O presidente Lula tomou a decisão nacionalista de submeter
as áreas do pré-sal a uma nova legislação. O petróleo faz parte do
nosso patrimônio estratégico, não pode ser de alguém. Tem que pertencer
ao povo brasileiro", disse.

O governo estimou, inicialmente, que as reservas brasileiras poderiam chegar a 70 bilhões
de barris. As análises dos outros poços perfurados alteraram essas
projeções. As reservas, segundo as últimas estimativas, podem chegar a
150 bilhões de barris. Além de Tupi, os campos de Júpiter e Carioca,
descobertos depois, foram listados entre os 50 campos gigantes do mundo.
Estudos do Departamento de Energia americano apontam que, em 2030, o
Brasil será o quarto maior produtor mundial de petróleo. Na sua página
na internet, o Brasil aparece atrás apenas da Arábia Saudita, da Rússia e
dos Estados Unidos, com estimativas de produção de 5,7 milhões de
barris ao dia.

Em 17 de julho passado, o presidente Lula instituiu uma comissão
encarregada de propor a legislação de exploração do pré-sal. Seus
integrantes - os ministros da Casa Civil, das Minas e Energia, da
Fazenda, do Planejamento, o presidente do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social e o diretor-geral da ANP, Haroldo
Lima - sentaram-se à sua volta na sala de reuniões no Palácio do
Planalto. Lula olhou para o grupo e perguntou por que o presidente da
Petrobras, Sérgio Gabrielli, não estava presente. Informado de que ele
não tinha sido chamado por ser representante de uma empresa, Lula cofiou
a barba e ordenou: "Mas essa é a única empresa que eu nomeio o
presidente: coloca ele aí."

No final de novembro, Haroldo Lima recebeu-me na sede da ANP, no centro
do Rio. Disse que a comissão vinha se reunindo de duas a três vezes por
semana e explicou que todas as propostas seguiriam para a apreciação do
presidente. Lima adiantou que há consenso na comissão quanto ao modelo
para produção nas áreas de pré-sal - será o de "contratos de partilha".
Ou seja: a União contrata empresas para explorar o petróleo e as
remunera com parte da produção, o que faz com que o governo tenha um
controle estrito das reservas. Pelas regras atuais, o modelo é de
concessão: as empresas adquirem blocos em leilões da ANP e, caso
encontrem petróleo, ficam com tudo o que é produzido, pagando royalties e
participações especiais à União, aos estados e municípios.

Se aprovado, o modelo exigirá a criação de uma nova estatal para
negociar os contratos. A Petrobras, por ser uma empresa com ações na
Bolsa, não poderia administrar contratos e, simultaneamente, disputá-los
com outras companhias. "Hoje, como mais de 60% das ações da Petrobras
estão no mercado, ela não pode assumir interesses em nome do Estado,
pois isso significaria dar privilégios aos seus acionistas", disse
Haroldo Lima.

Mesmo assim, a Petrobras será alvo de mudança. O governo quer recomprar
parte das ações da companhia no mercado e aumentar a participação do
Estado na empresa. Lima contou que há uma grande insatisfação no
Planalto com o fato de boa parte das ações da estatal estar nas mãos de
investidores estrangeiros. "Isso é o que mais incomoda os membros da
comissão", disse.

Um outro ponto defendido pela comissão deverá provocar resistência dos
políticos, tanto da situação como da oposição: os recursos obtidos com a
produção nas áreas do pré-sal irão para os cofres da União. Não existe
qualquer disposição do governo de dividir receitas com estados e
municípios, como ocorre com o pagamento de royalties e participações
especiais. A defesa desse ponto não é só da comissão, é de Lula. "O
presidente foi taxativo: as rendas advindas do pré-sal devem ser
controladas pelo governo federal", disse Haroldo Lima. "Ele quer que
esse dinheiro seja colocado a serviço do povo para acabar com a pobreza
no Brasil."

"Não é só o setor de petróleo que será alterado: será alterada a própria
história do Brasil", entusiasmou-se Lima. Antes de celebrar essa
perspectiva, será preciso enfrentar desafios maiores do que descer a 5
mil metros de profundidade. José Formigli é o engenheiro responsável
pelo planejamento do pré-sal. Cabe a sua equipe criar as condições para
colocar os campos em atividade. Todo o esforço que vem sendo feito é
para diminuir os custos de produção e tornar o projeto economicamente
viável. "Nosso primeiro poço no pré-sal custou 240 milhões de dólares. A
esse custo, a produção seria inviável. Os últimos poços que furamos já
estão na casa dos 80 milhões. Mas esses valores têm que cair muito
mais", disse.

Isso só será possível com o desenvolvimento de novas tecnologias. É
preciso, por exemplo, uma metalurgia especial para revestimento de poços
e dutos, a fim de evitar que sejam corroídos pela camada de sal.
Algumas dessas tecnologias terão que estar disponíveis já em 2009,
quando o projeto-piloto de Tupi será -colocado em operação. A previsão é
de que até 2010 o poço esteja produzindo 100 mil barris ao dia. As
rochas-reservatório do pré-sal são diferentes daquelas de onde a
companhia se acostumou a tirar óleo. São rochas carbonáticas, porosas, e
o óleo fica entranhado em sua cavidade. Tirá-lo dali exige a criação de
tecnologia. "Não é só colocar um canudinho e puxá-lo", disse Formigli.
Depois disso, outros poços terão que estar prontos para entrar em
produção antes de 2017.

A crise econômica mundial colocou o projeto do pré-sal na sombra da
incerteza. Uma das dúvidas é se a produção de petróleo em condições tão
adversas continua factível, já que o preço do barril despencou de 150
para 40 dólares em meados de dezembro. Adilson de Oliveira, do Instituto
de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é especialista
em energia. Do prédio do século XIX do instituto, na Praia Vermelha, ele
comandou uma equipe de professores e pesquisadores encarregada pelo
governo de fazer um diagnóstico sobre a indústria brasileira de bens e
serviços do setor de petróleo.

O resultado foi um relatório de mais de 100 páginas. Quando o estudo foi
encomendado, o barril havia superado os 100 dólares. Mas a equipe de
Oliveira nunca levou esse preço em consideração. "Era lógico que aquilo
não ia se sustentar", disse o economista. O estudo trabalha com dois cenários diferentes. Um, com o petróleo na casa de 62?dólares o
barril, e outro a 46 dólares o barril. Em ambos, o projeto do pré-sal
continua rentável. "Estamos falando de preços que são, no mínino, o
dobro do que eram no começo da década", lembrou Oliveira. No caso do
petróleo a 62?dólares, estima-se que os investimentos no setor serão de
418?bilhões de -dólares, de 2009 a 2025. A 46?dólares o barril, os
investimentos necessários no mesmo período seriam de 337 bilhões de
dólares.

O entrave maior no momento não é o preço do petróleo. Para a maior parte
do mercado, a alta era irreal. O Departamento de Energia dos Estados
Unidos, por exemplo, trabalha com estimativas de preços oscilando entre
55 a 90 dólares o barril, no período de 2007 a 2025, o que representaria
um preço médio de 85 dólares. A Pe-trobras também não se assusta com a
queda da cotação. Técnicos que trabalham no planejamento da produção no
pré-sal asseguram que o projeto é viável com o preço do barril a 35
dólares.

Na avaliação de Oliveira, uma queda de preços abaixo desses patamares
não é interessante para os países europeus, os Estados Unidos e a China.
Eles sabem que, nesse caso, a produção de petróleo no Brasil, Canadá e
África seria desestimulada, deixando-os dependentes dos países árabes e
da Venezuela. Ele ilustra sua tese com uma entrevista concedida pelo
então secretário de Estado americano, Henry Kissinger, nos anos 70,
durante a primeira crise do petróleo, quando os preços subiram de 3 para
12 dólares o barril. Ao ser indagado sobre a questão, Kissinger disse
que aquela era a melhor coisa que poderia ter acontecido, pois
estimularia a produção de petróleo no Mar do Norte. Foi exatamente o que
aconteceu, garantindo estabilidade de preços nas décadas seguintes.
"Tudo o que os Estados Unidos e a Europa não querem é ficar dependentes
do Oriente Médio", disse Oliveira.

O que mais assusta é a falta de financiamento. Com a crise
internacional, as fontes de crédito secaram. A falta de recursos não
compromete os investimentos das empresas de petróleo. No caso da
Petrobras e suas parceiras, os recursos necessários para a produção no
pré-sal entre 2009 e 2015, estimados em 128 bilhões de dólares (sendo 98
bilhões bancados pela estatal), já estão garantidos. "As companhias de
petróleo historicamente se autofinanciam", explicou Oliveira. O problema
é como garantir recursos para os fornecedores de equipamentos.

O aumento da produção de petróleo exigirá a ampliação significativa da
infra-estrutura até 2025. Segundo estimativas do governo, será
necessária a construção de 59 plataformas, 8 refinarias e 52 navios.
Isso, fora os barcos de apoio, dutos e mais um sem-número de
equipamentos periféricos. Como o Brasil não quer ser apenas um
exportador de petróleo - como os países do Oriente Médio, da África e a
Venezuela -, a idéia é produzir a maior parte aqui mesmo. A grande
dúvida é se haverá crédito para financiar esses investimentos. Uma das
alternativas, diz Oliveira, é atrair empresas de fora para se instalarem
aqui, a fim de que elas banquem seu financiamento. Outra parte terá que
ser garantida pelo governo brasileiro.

Existem três pólos fornecedores de bens e serviços de petróleo. Um em
Houston, nos Estados Unidos, com cerca de 500 empresas que fornecem para
o golfo do México e Venezuela, responsável por adicionar 2,8 bilhões de
dólares à economia americana por ano; outro na Ásia, focado na
indústria naval; e o último na Inglaterra e Noruega. O que se quer é que
o Brasil surja como um novo pólo, fornecendo não só para a indústria
nacional, mas para a América do Sul e África. Para isso há urgência em
capacitar industrial e tecnologicamente os fornecedores locais de bens e
serviços.

Ernani Torres, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o
BNDES, diz que o modelo de política industrial que a Noruega adotou
para capacitar sua indústria, na década de 70, após as descobertas de
petróleo no Mar do Norte, é o que o Brasil acredita ser o melhor a ser
seguido. A Noruega estabeleceu como condição para as companhias
explorarem petróleo a contrapartida de transferirem tecnologia e de
adquirirem bens e serviços no mercado local. Também adotou uma política
de incentivo direto aos fornecedores locais.

No BNDES, três grupos desenvolvem estudos com vistas a preparar a
indústria nacional para as novas demandas por bens e serviços. Um dos
gargalos é a pouca integração das empresas brasileiras com o sistema
científico e tecnológico das universidades. A capacitação da mão-de-obra
é outra grande dificuldade. O Programa de Mobilização da Indústria de
Petróleo, coordenado pela Petrobras, já treinou 180 mil pessoas, e o
objetivo é treinar mais 120 mil nos próximos dois anos. Mas ainda é um
número reduzido frente às necessidades.

Em 2025, com a produção brasileira saltando para 5,7 milhões de barris
diários, espera-se que as receitas com exportação do combustível cheguem
a 60?bilhões de dólares (caso os preços estejam estabilizados em torno
de 60?dólares o barril). A arrecadação fiscal com o pe-tróleo seria de
120 bilhões de dólares.

"O risco de uma entrada tão fácil de recursos é de acomodação", alerta
Ernani Torres. "Isso aconteceu em vários países que deixaram sua
indústria de-saparecer para viver apenas das receitas geradas pela
exportação do óleo."

O governo terá que dar respostas rá-pidas a todas essas questões. As
descobertas no pré-sal, ainda que espetaculares, podem ter acontecido no
que talvez seja o último sopro da civilização do petróleo. É provável
que, já no próximo meio século, novas fontes de energia estejam a ponto
de substituí-lo. "Daqui a 50 anos, o petróleo ficará cada vez menos
importante, como ocorreu com o carvão no final do século XIX", disse
Adilson Oliveira. "O pré-sal é uma grande janela de oportunidade para o
Brasil dar um salto tecnológico. Temos 20, 30?anos para isso. É uma
oportunidade fantástica, mas não virá naturalmente.

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