A Folha de São Paulo preparou uma "armadilha" para a Dilma
usando uma entrevista que concedi a uma das suas repóteres da sucursal
de Brasília. Encaminhei a carta abaixo à redação. E peço que todos os
amigos que a façam chegar a quem acharem necessário: redações de
jornais, revistas, emissoras de TV e pessoas que talvez possam ser
afetadas ou se sintam indignadas pela má fé dos editores do jornal. Como
sabem, sou favorável à transparência, por achar que a verdade é sempre o
melhor caminho e, no fundo, revolucionária.
Á coluna
painel do leitor
Seguem cópias para o Ombudsman e para a redação. Vou enviar cópias
também a toda a imprensa nacional. Peço que esta carta seja publicada na
próxima edição. Segue abaixo:
Prezados senhores,
Chocado com a matéria publicada na edição de hoje (domingo, 5), páginas
A8 a A10 deste jornal, a partir da chamada de capa "Grupo de Dilma
planejou seqüestro de Delfim Neto", e da repercussão da mesma nos blogs
de vários de seus articulistas e no jornal Agora, do mesmo grupo,
solicito a publicação desta carta na íntegra, sem edições ou cortes, na
edição de amanhã, segunda-feira, 6 de abril, no "Painel do Leitor" (ou
em espaço equivalente e com chamada de capa), para o restabelecimento da
verdade, e sem prejuízo de outras medidas que vier a tomar. Esclareço
preliminarmente que:
1) Não conheço pessoalmente a repórter Fernanda Odilla, pois fui
entrevistado por ela somente por telefone. A propósito, estranho que um
jornal do porte da Folha publique matérias dessa relevância com base
somente em "investigações" telefônicas;
2) Nossa primeira conversa durou cerca de 3 horas e espero que tenha
sido gravada. Desafio o jornal a publicar a entrevista na íntegra, para
que o leitor a compare com o conteúdo da matéria editada. Esclareço que
concedi a entrevista porque defendo a transparência e a clareza
histórica, inclusive com a abertura dos arquivos da ditadura. Já concedi
dezenas de entrevistas semelhantes a historiadores, jornalistas,
estudantes e simples curiosos, e estou sempre disponível a todos os
interessados;
3) Quem informou à Folha que o Superior Tribunal Militar (STM) guarda um
precioso arquivo dos tempos da ditadura fui eu. A repórter, porém, não
conseguiu acessar o arquivo, recorrendo novamente a mim, para que lhe
fornecesse autorização pessoal por escrito, para investigar fatos
relativos à minha participação na luta armada, não da ministra Dilma
Rousseff. Posteriormente, por e-mail, fui novamente procurado pela
repórter, que me enviou o croquis do trajeto para o sítio Gramadão, em
Jundiaí, supostamente apreendido no aparelho em que eu residia, no
bairro do Lins de Vasconcelos, Rio de Janeiro. Ela indagou se eu
reconhecia o desenho como parte do levantamento para o seqüestro do
então ministro da Fazenda Delfim Neto. Na oportunidade disse-lhe que era
a primeira vez que via o croquis e, como jornalista que também sou, lhe
sugeri que mostrasse o desenho ao próprio Delfim (co-signatário do Ato
Institucional número 5, principal quadro civil do governo ditato rial e
cúmplice das ilegalidades, assassinatos e torturas).
Afirmo publicamente que os editores da Folha transformaram um não-fato
de 40 anos atrás (o seqüestro que não houve de Delfim) num factóide do
presente (iniciando uma forma sórdida de anticampanha contra a
Ministra). A direção do jornal (ou a sua repórter, pouco importa) tomou
como provas conclusivas somente o suposto croquis e a distorção
grosseria de uma longa entrevista que concedi sobre a história da
VAR-Palmares. Ou seja, praticou o pior tipo de jornalismo
sensacionalista, algo que envergonha a profissão que também exerço há
mais de 35 anos, entre os quais por dois meses na Última Hora, sob a
direção de Samuel Wayner (demitido que fui pela intolerância do falecido
Octávio Frias a pessoas com um passado político de lutas democráticas).
A respeito da natureza tendenciosa da edição da referida matéria faço
questão de esclarecer:
1) A VAR-Palmares não era o "grupo da Dilma", mas uma organização
política de resistência à infame ditadura que se alastrava sobre nosso
país, que só era branda para os que se beneficiavam dela. Em virtude de
sua defesa da democracia, da igualdade social e do socialismo, teve
dezenas de seus militantes covardemente assassinados nos porões do
regime, como Chael Charles Shreier, Yara Iavelberg, Carlos Roberto
Zanirato, João Domingues da Silva, Fernando Ruivo e Carlos Alberto
Soares de Freitas. O mais importante, hoje, não é saber se a estratégia e
as táticas da organização estavam corretas ou não, mas que ela
integrava a ampla resistência contra um regime ilegítimo, instaurado
pela força bruta de um golpe militar;
2) Dilma Rousseff era militante da VAR-Palmares, sim, como é de
conhecimento público, mas sempre teve uma militância somente política,
ou seja, jamais participou de ações ou do planejamento de ações
militares. O responsável nacional pelo setor militar da organização
naquele período era eu, Antonio Roberto Espinosa. E assumo a
responsabilidade moral e política por nossas iniciativas, denunciando
como sórdidas as insinuações contra Dilma;
3) Dilma sequer teria como conhecer a idéia da ação, a menos que fosse
informada por mim, o que, se ocorreu, foi para o conjunto do Comando
Nacional e em termos rápidos e vagos. Isto porque a VAR-Palmares era uma
organização clandestina e se preocupava com a segurança de seus quadros
e planos, sem contar que "informação política" é algo completamente
distinto de "informação factual". Jamais eu diria a qualquer pessoa,
mesmo do comando nacional, algo tão ingênuo, inútil e contraproducente
como "vamos seqüestrar o Delfim, você concorda?". O que disse à repórter
é que informei politicamente ao nacional, que ficava no Rio de Janeiro,
que o Regional de São Paulo estava fazendo um levantamento de um quadro
importante do governo, talvez para seqüestro e resgate de companheiros
então em precárias condições de saúde e em risco de morte pelas
torturados sofridas. A esse propósito, convém lembrar que o próprio
companheiro Carlos Marighela, comandante na cional da ALN, não ficou
sabendo do seqüestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick. Por
que, então, a Dilma deveria ser informada da ação contra o Delfim? É
perfeitamente compreensível que ela não tivesse essa informação e
totalmente crível que o próprio Carlos Araújo, seu então companheiro,
diga hoje não se lembrar de nada;
4) A Folha, que errou a grafia de meu nome e uma de minhas ocupações
atuais (não sou "doutorando em Relações Internacionais", mas em Ciência
Política), também informou na capa que havia um plano detalhado e que "a
ação chegou a ter data e local definidos". Se foi assim, qual era o
local definido, o dia e a hora? Desafio que os editores mostrem a
gravação em que eu teria informado isso à repórter;
5) Uma coisa elementar para quem viveu a época: qualquer plano de ação
envolvia aspectos técnicos (ou seja, mais de caráter militar) e
políticos. O levantamento (que é efetivamente o que estava sendo feito,
não nego) seria apenas o começo do começo. Essa parte poderia ficar
pronta em mais duas ou três semanas. Reiterando: o Comando Regional de
São Paulo ainda não sabia com certeza sequer a freqüência e regularidade
das visitas de Delfim a seu amigo no sítio. Depois disso seria preciso
fazer o plano militar, ou seja, como a ação poderia ocorrer
tecnicamente: planejamento logístico, armas, locais de esconderijo etc.
Somente após o plano militar seria elaborado o plano político, a parte
mais complicada e delicada de uma operação dessa natureza, que
envolveria a estratégia de negociações, a definição das exigências para
troca, a lista de companheiros a serem libertados, o manifesto ou
declaração pública à nação etc. O comando nacional só par ticiparia do
planejamento , portanto, mais tarde, na sua fase política. Até pode ser
que, no momento oportuno, viesse a delegar essa função a seus quadros
mais experientes, possivelmente eu, o Carlos Araújo ou o Carlos Alberto,
dificilmente a Dilma ou Mariano José da Silva, o Loiola, que haviam
acabado de ser eleitos para a direção; no caso dela, sequer tinha
vivência militar;
6) Chocou-me, portanto, a seleção arbitrária e edição de má-fé da
entrevista, pois, em alguns dias e sem recursos sequer para uma
entrevista pessoal - apelando para telefonemas e e-mails, e dependendo
das orientações de um jornalista mais experiente, no caso o próprio
entrevistado -, a repórter chegou a conclusões mais peremptórias do que a
própria polícia da ditadura, amparada em torturas e num absurdo poder
discricionário. Prova disso é que nenhum de nós foi incriminado por isso
na época pelos oficiais militares e delegados dos famigerados Doi-Codi e
Deops e eu não fui denunciado por qualquer um dos três promotores
militares das auditorias onde respondi a processos, a Primeira e a
Segunda auditorias de Guerra, de São Paulo, e a Segunda Auditoria da
Marinha, do Rio de Janeiro.
Osasco, 5 de abril de 2009
Antonio Roberto Espinosa
Jornalista, professor de Política Internacional, doutorando em Ciência
Política pela USP, autor de Abraços que sufocam - E outros ensaios sobre
a liberdade e editor da Enciclopédia Contemporânea da América Latina e
do Caribe.
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