Eu Quero A Menina

Eu Quero A Menina (Ruy Penalva) Só não viu foi quem não quis O perdão tergiversar Quando aquele monstro feiticeiro Tomou conta do lugar Chegou, pediu, minto, exigiu A mais linda virgem pra levar A mais atraente A mais comovente A mais sempre a mais dentre as mais Pegou a menina Levou a menina Roubou a menina, sumiu Ninguém soube dela Ninguém mais revela Ninguém disse ao menos um piu! Já depois muito depois Bem no céu apareceu Um grande cometa Talvez um planeta Eu sei uma estrela nasceu Eu quero a menina Me tragam a menina Eu quero a menina porque No fim novela Só eu gosto dela Só eu vou poder desfazer Tamanho encanto Dum forte quebrando Que um dia pôs tudo a perder Um grande momento Meu contentamento De um dia casar com você

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quarta-feira, 30 de junho de 2010

O Destino

O Destino

O destino pregou-me uma peça:
deu-me uma mãe e ma levou,
deu-me uma infância e cresci,
e, afinal, o que me sobrou?

Deu-me comida, já sem apetite,
mulheres, quando estava casado,
livros, quando só queria escrevê-los,
abundância, quando já estava enfadado.

Tirou-me Deus e deu-me Marx,
depois o trocou pela indiferença,
destruiu todos os meus ídolos,
e, sem eles, restou-me a descrença.

Tirou-me a magia do encontro,
a fantasia da elaboração,
o mágico da epifania,
a alegria da revelação.

Tirou-me o saco de ver amigos,
o gosto por um papo gostoso,
fez-me só e meus conflitos,
improdutivo, pouco proveitoso.

Mas o destino é sábio e de viés:
Quando fiquei mais intestino,
menos menino, mais ao revés,
deixei de crer-lhe ó Destino.

Ruy Penalva. Ssa. 14/03/2003.

Não Pedimos Nada Disso


Não pedimos nada disso

Não pedimos para nascer,
crescer, adolescer, adultificar.
Não pedimos para envelhecer,
adoecer, sofrer, desencarnar.
Onde está o livre arbítrio?
A quual Procon devemos queixar?


LF, 22/02/2003.

Ruy Penalva

Nossa Senhora

Nossa Senhora


Nossa Senhora Rosa Rainha,
protege-me das mocorongas,
ensina-me uma mezinha,
afasta-me dessas mondrongas,
receita-me uma panacéia,
livra-me duma mocréia.

Nossa Senhora dos Desvalidos,
blinda-me aos olhos maus,
aguça os meus sentidos,
faze-me mais animal.
Ó Nossa Senhora dos Remédios,
minimiza, Mãe, o meu tédio.

Nossa Senhora da Calipígia,
que governa todo traseiro,
por favor, não me aflija,
manda-me o mais altaneiro.
Nossa Senhora do Genuflexo,
quero Ser e ser sucesso.


Ruy Penalva Ssa. 31/03/2003.

Nada

Nada

Fragrante fragrância,
Ignominiosa ignorância.
Deturpada a mente.
Violada a mente.

Não queira saber como sofre o besouro
Quando encontra uma lâmpada incandescente.

Nem como fica o neurótico
Ordenhado sua dor seminalmente.

Ou o pobre mendigo
Cuja sarna locou seu corpo tão completamente.

Se eu me desfizesse,
Se eu desmilinguisse,
Se me subtraísse
Onde eu não somasse,
Eu chegaria ao ponto
Do não existisse
Nem o próprio ponto
Que eu procurasse.

Chegaria ao nada
Onde o nada existe,
Pois o nada existe
Onde existe o nada.
E de dentro-e-fora
Por onde circundasse
Não restasse o nada,
Nem a mim restasse.

Ruy Penalva, Ssa, 26/08/2005.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

O Céu É Feito De BálsAmo

Date: Jun 28, 2010


O Céu É Feito De BálsAmo

Category: Writing and Poetry

O Céu É Feito De BálsAmo

Acho, que no céu os anjos passam
bálsamo, mentol, eucaliptol e salicilato de metila
nas nossas costas, pernas e coxas
e nos cobrem com um edredom angelicalmente aquecido.

Tudo isso após um delicioso escalda-pé de bacia,
abafado com toalha bem felpuda e macia.

E ficamos aguardando o sono chegar,
enquanto vapores de vic vaporubs
nos adentram as narinas esperando uma nova inspiração.

E de murtas recendentes brotam pencas de laranjas Bahia,
doces como a ambrósia-doce que minha mãe fazia.

Doce como o êxtase que me extasia,
o bálsamo que me embalsama,
A minha alma ali na cama
Tudo que me acaricia.

O céu é feito de bálsAmo.


Ruy Penalva, 10 de março de 2005.

sábado, 26 de junho de 2010

Minha Amiga e a Minhoca


Uma grande amiga minha
colocou minhoca na cabeça,
apesar de lugar fértil,
não creio que ela cresça.


Essa mesma amiga minha
tinha um grilo na cachola,
quando a minhoca entrou nela
o grilo lhe foi embora.


Hoje com a minhoca na cabeça
e o grilo no coração
ela sente saudade do grilo
e alisa a minhoca com a mão.


Ruy Penalva. Ssa. 07/04/2003

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Eu Tenho Medo

Eu Tenho Medo
Category: Writing and Poetry
Eu Tenho Medo


Eu tenho medo é de estar só
Acompanhado da solidão,
De não ser um cara relativamente importante
E de ter corrido o risco de ser chamado de João.


Eu tenho medo é de ter coragem,
De ser aberto,
De ser Alberto,
De ter que ser avisado,
E de ter que andar avisando.
Disso tudo e de tudo visto.


Eu não gosto é de andar pendurado,
De andar perdoando,
De ser consumido,
De sonhar trabalhando em banco.


Eu odeio quando o É deixa de verbo Ser:
Como em Elogio,
Como em Egoísmo,
Assim como em incErteza.


Eu não gosto de pensar que não posso,
Se não devo pensar que não posso,
Se penso que não devo pensar.


É como se algo contra mim viesse
E se tornasse o meu melhor inimigo.
É como se algo contra mim voltasse
E se tornasse o meu pior amigo.


Salvador, 1972.


Ruy Penalva

Ironia

Ironia

(sobre um prefeito que tinha incontinência fecal)

Agora vejam que ironia
fez o Destino ao infeliz,
que sabia onde tinha o nariz,
e hoje, por pura contradição,
governa concidadãos,
manda de Norte a Sul,
só não governa o próprio cu,
ironia, pura ironia.

Salvador, 87.

Ruy Penalva

E Ainda Somos Medievais

E Ainda Somos Medievais (Ruy Penalva/2004)

Se eu estiver parado,
Calado,
Estatalado,
Não se preocupe,
Só estou tentando quebrar o silêncio
Com um silêncio ainda maior.
Estou tentando desatar o nó
Cuja ponta é o início de um outro nó,
O nó da existência,
O verdadeiro nó.
Que a morte mata, mas não desata,
Que a vida cria, mas não desfia.
Estou tentando saber como se passa
Pela vida deixando o corpo aqui,
O espírito flanando vendo a matéria desmilinguir...
Sinto-me desconfortável com horários,
Teias, cadeias, obrigações,
Fico indignado com os vendedores de fé,
Pastores, padres, missionários
Comandando uma legião de otários.
Que vivem a rezar em vez de meditar,
De se autoconhecer.
Conhecem a bíblia,
Um livro apócrifo e caduco,
Leitura obrigatória de malucos,
Pois é:
Estamos no século 21 e ainda somos medievais.

ConFleet o Conflito

ConFleet o Conflito


(Ao Poeta Ernane Gusmão)


Lendo um seu Alexandrino,
que fala de uma paixão inolvidável,
compreendi o quanto esta vida é miserável
e quanto o tanto eu ainda sou menino.


Mas não poderia encontrar nuns braços só
a síntese da minha paixão polivalente,
dividida, em mim, talvez menos ardente,
mas não menos implacável, sem dó.



Andorinha errante de espaço-finito
lancei ao nascer um pungente grito
e ainda ouço ecos daquele gemido.


Contudo, nem os leitos mais ardentes
aplacaram em mim dúvidas persistentes,
o Tempo sim, demolidor enxerido.


Ruy Penalva
Salvador, 1987.

Com Que Direito Fico Parado? (1973)

Com que direito fico parado?

Sou um simplesmente José
cuja festa nem começou.
Sou sofisticado João
onde alegria não parou.

Hoje agonizo nesse mundo,
nessa cidade de concreto.
Eu sou um monstro de fermento,
sou a rua, sou as fezes, sou um feto.

Como esquecer quem eu fui?
Como me erguer dos destroços?
Amigos não esquecerei,
acariciarei os nossos?

Quero uma vaga pra lutar
e poder ver tudo mudando,
quero as armas nas mãos do povo,
quero ver você José: atirando.

Salvador, 1973.

Ruy Penalva.

O Carro-Nave

Carro-Nave

O carro-nave passou,
dos 2001 sonhos só um mostrou seu sorriso;
tido o mais comesticado,
obturado-obstruído,
construído sobre as maravilhas sete
de determinadas estruturas
respeitadas tidas e aceitas
como impostas por um Deus.
Só você não percebeu
O gesto mais pálido da criança enjeitada
rejeitada tida e aceita
como imposta por um Deus.
O carro-nave parou,
Dos 2001 sonhos só um não mostrou seu sorriso,
tido o mais intoxicado...
O carro-nave explodiu,
Sumiu ao mostrar seu riso,
Explodiu em ocres avisos.

Salvador, 1972.


Ruy Penalva

Bushcídio

Bushicídio

Assisto a um séc'lo de mentira,
Do poder de quem atira
Buscando a persuasão.
Vejo a brutalidade armada,
A verdadeira intifada,
Que abomina a razão.
Não vejo muita diferença
Do americano e sua crença
Daquilo que Hitler fez.
Cidades são evertidas,
Vidas são destruídas,
Pelo poder homicida
Do desejo de um Rei.

Ruy Penalva, Ssa, 15/10/2004.

Broadcasting Mourning

Broadcasting Mourning



Ontem a TV foi um necrológico só:
Morreu o Sabino,
O que queria ser para sempre menino
E deixou uma filha muito linda.
E é?
Não sei,
Imagino.
Morreu o Super-Homem.
Morreu?!
Morreu.
Tetraplégico,
Pois caiu do cavalo e se fodeu.
Não foi a Kriptonita que o enfraqueceu,
Mas a abastança que Hollywood lhe deu.
Esqueceram também de dar que morreu o Derridá,
Mas quem daria crédito a um filósofo francês terminal?
Talvez algum suplemento literário de um mal lido jornal,
Aos domingos.
No dia da minha morte consultem o necrológico das pessoas insignificantes
No Diário da minha cidade...
Faleceu ontem... vítima de... o senhor ... foi sepultado no...
Toc... Toc... Toc...
Não vou morrer de véspera, Coração,
Ainda tenho muito o que rachar...


Ruy Penalva, Ssa, 12/10/2004.

Brasilianas (1977) " Estamos no céu"

Brasilianas ( Ruy Penalva, São Paulo, 1977)

Que o tempo aqui não tá bom
é tudo que posso dizer,
mas que não falta a vontade
de um novo mundo nascer.

A terra é grande, dá pra todos,
no entanto é essa “insolução”,
“sai monarca e entra milico”
e é a mesma corrupção.

O povo trabalha, não governa,
chora a predação do país;
rouba-se: desde o reles funcionário,
ao embaixador em Paris.

Aliás, até nisso,
somos um país impar,
o acusador vai pra cadeia,
o acusado fica supimpa!

Casos como o de Aracelli
a todo o momento ocorrem aqui,
compra-se toda a polícia,
é um verdadeiro Haiti.

O pai de Claudia Lessin diz
conhecer os traficantes da nação,
o Ministro da Justiça cala a boca,
será que está na relação?

Isto me fez recordar
Geisel e a sua embaixada,
que na Bolívia estiveram
para mais uma marmelada.

Ao Geisel foi apresentado
o Ministro da Marinha
do pobre país Bolívia
que tinha frota e mar não tinha.

Mas foi-lhe de pronto explicado
que no Brasil das injustiças
tínhamos um boneco fantasiado
de Ministro da Justiça!


E toda a visita transcorreu
da maneira mais engraçada,
o Presidente Geisel falava,
o Prefeito Banzer dava risada,
e nesse orgasmo coletivo
a Bolívia o gás entregava.

Fleury torturador assassino
já devia estar na prisão,
mas dizem que se for preso
delata muito “grandão”.

O coronel Erasmo Dias,
com apoio da contravenção,
vai para Câmara Federal
defender a moral da nação!

Maluf e Chagas se reuniram
e a vergonha nacional tremeu,
foi uma reunião tranqüila,
pois nem a polícia apareceu.

Grupo Lume, Grupo Atalla,
UEB e Lutfalla,
tudo com dinheiro do trabalhador,
o PIS PASEP financia
esse festival de horror.

A riqueza do país está nas mãos
de quem nunca viu a labuta,
a maioria vive mal, 30 milhões
sobremorrem na miséria absoluta.

Armaram uma ARENA falsa
pra dar apoio a esta lama,
convocaram corruptos e fascistas,
estava feita a nossa cama.

Em nome do lucro e da ordem
o americano tudo financiou,
treinaram torturadores
e nas nossas costas o pau cantou.



No Panamá ensinaram
nosso militar repetir:
“O inimigo é o comunismo
a quem devemos destruir.”

E de tanto repetirem a mesma coisa
esqueceram que a corrupção
destrói as estruturas
e enfraquece a nação.

Sai e entram Ministros
sempre com o mesmo jargão:
“Nossa meta prioritária
é combater a inflação.”
Zé Povinho é quem se lasca
e o culpado é o mamão.

Diz-se que o causador da inflação
é o trabalhador e o seu salário,
e que o pobre Salário Mínimo
tem efeito inflacionário!

Se bem que este problema
é controverso de Norte a Sul,
a inflação já foi de demanda,
foi de custos, foi do chuchu.

Já foi também importada,
causada pelo petróleo,
que apesar de andar congelado
ainda continua a queimar óleo.

Agora é problema político,
quase sem solução,
e os juros são conseqüência
não causa da inflação.

E a correção monetária
é o mal menor do país,
pois ela só atualiza
o pobre dinheiro infeliz.

E não falam do crédito gracioso,
que nada melhorou a produção,
tudo é jogado no open
onde cresce nem furação.

Pra eleger Figueiredo,
Geisel não consultou a nação,
que agüentou firme e forte
o ranço do alemão.

Dividiram as capitanias
do Oiapoque ao Chui,
com os Portela comandando
O Bordel do Piauí.

E Minas Gerais, que comandou a besteira,
teve como castigo
o Francelino Pereira,
um safado pela cara,
um aproveitador de carreira.

E São Vicente então,
o estado mais importante,
ganhou de governador
um famoso meliante,
ladrão sindicalizado,
safado pelo rompante.

E o povo desta terra,
de sabedoria singular,
disse: “Espere novembro,
que a gente vai acertar”,
e a porrada foi tão grande,
que fez o sistema abalar.

Vinte é menos que quinze,
tudo isso ocorre aqui,
desde que inventaram a lógica
do matemático Golbery,
o satânico Doutor Gô
da Dow Chemical e do Jarí.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Arrumando a Prosa

Arrumando a Prosa

Se fosse pobre ia querer ser rico;
Se rico fosse muito mais gostoso;
Se isso não bastasse muito mais famoso.

Se fosse doente ia querer ser são;
Se são eu fosse, todo poderoso;
Resumindo: rico, bonito, potente e famoso.

Se não morresse ia querer morrer,
Mas com um botão por perto pra poder viver.
E se o botão quebrasse? Mas botão pra quê?

Se tivesse uma mulher ia querer ter duas
E se tivesse duas logo um harém
E se assim me fosse: - ia dormir com quem?

Se fosse poeta ia fazer uns versos
E se poeta não fosse ia só prosar.
A prosa é verso, poeta, basta arrumar.

Ssa. 18/03/2003.

Ruy Penalva

Eu e o Acaso

Eu e o Acaso (Ruy Penalva/2004)

Um toque de beleza existe
Quer seja no belo ou no triste
Onde a evolução permeou.
Acordo também se percebe
No que falta ou no que excede,
Mas não excedeu nem faltou.

Tudo nos parece tão tácito,
Produto de um beneplácito
De Ser que cremos Criador.
Mas somos filhos do acaso,
O jardim, a rosa, o vaso,
A raiz, o caule, a flor.

Eu também sou o resultado
De um encontro inesperado,
De fato que a mim escapou.
Teria eu então um drama,
Se não me fizessem na cama,
Se não me expusessem a dor?

Amargaridas (1972)

Amargaridas

Avance o sinal da vida,
Avise o sei-não da morte,
Há samba que no seio encerra,
Em serra romantismo e morte.

A mágoa de um povo, e o grito,
Emudeceram num enquanto-tanto.
Há sangue, há ódio em seus olhos rasos morena,
Há povo, não há homem, assombrem.

De carro e de carreiristas
Fez-se a nossa identidade,
De fugas e preconceitos
Fez-se a nossa liberdade.

De mal com o homem de bem
Assim comecei minha vida,
Plantando flor em concreto
Logo recolhi amargaridas.

A planta morreu em sementes,
O homem viveu em segredos,
De Cabral a Conselheiro
Mais de quatrocentos mil degredos.

Salvador, 1972.

Ruy Penalva.

About (1971)

About

Eu vejo, penso, enlouqueço,
Cabelos castanhos cortados.
Corte custa, quanta coisa?
Pra quem nasceu tão bonita!
Avenida estreita, barulho,
O ar empretece impotente,
O guarda apita, o carro pára,
Corrida louca de gente.
Entre gentes vem você,
Um barulho estranho a desperta,
Sua cabeça levanta,
Se fixa num ponto fixo,
Sua figura me encanta.
O informe em forma assoma,
O contraste me dá prazer,
Paro, não penso, segundos,
Com os olhos, fixo você.
O prazer se dissipa em sonhos,
Em sonhos radioaflitivos
Seus olhos tons de urânio,
Radioativos gerânios,
Computam e captam a vida.

Salvador, 1971,

Ruy Penalva

A União Não Se Faz À Forca

A União Não Se Faz À Forca

Por mais exuberante que seja uma Princesa,
Por mais bela, linda, viçosa que esteja,
Ela não pode morar em sua casa,
Acordar em sua cama,
Dividir o seu barraco,
Descobrir sua proeza...
Nenhuma ilusão permanece o tempo todo acesa.
Isso vale também para os Príncipes
E também vale para o bife à milanesa.


Ruy Penalva, Ssa, 12/10/2004.

O Papagaio de Ana (Ruy Penalva)

Thursday, June 24, 2010
O Papagaio de Ana
Category: Writing and Poetry
O Papagaio de Ana (Ruy Penalva -2003)


Que bacana que era ouvir
O papagaio de Ana dizer:
"Não quero
Não insista
Respeita minha opinião"
Só faltava falar, inglês
Pois francês papagaiava
Fluentemente
Aprendeu numa viagem
Ao continente
Quando com Ana embarcou
De acompanhante
Usando passaporte
De estudante
Alfandegado como se ente fosse
Ciente
Só faltou se candidatar
A Presidente
Pois da putada se tornou
Completamente
Quando espalhou
Abertamente
O que Ana fazia e não fazia
Com a gente
Revelou muita coisa
Irreverente
Feita individual
E coletivamente
Da posição do levante
À posição do poente
Quer force pelas costas
Quer fosse pela frente
Mas Ana não merecia
Digo, não merecia totalmente
Pois era uma garota decente
Embora tivesse um papagaio
De uma puta duma boca quente
Foi ele quem nos afastou de Ana
Juro! Acreditem: Psitacicamente

Adeus Serra

País está próximo de atingir o pleno emprego, segundo economistas
Cenário pode se confirmar ainda este ano, com um desemprego próximo de 6% nas principais regiões metropolitanas do Brasil

Ilton Caldeira, iG São Paulo | 24/06/2010 09:21


O forte ritmo de crescimento da economia nos últimos meses e o desempenho vigoroso do mercado de trabalho no Brasil, com a conseqüente redução do nível de desemprego, deve alçar o País a um cenário de pleno emprego.

Segundo especialistas ouvidos pelo iG, esse quadro está próximo de se concretizar. Com uma taxa de desemprego na faixa entre 5% e 6% esse cenário pode se confirmar, afirmam os analistas, entre o fim de 2010 e o primeiro semestre de 2011. Hoje, o desemprego nas principais regiões metropolitanas do País é de 7,5%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Com uma taxa de crescimento econômico de mais de 5%, chegaremos a um desemprego de 6%, que é o pleno emprego. Isso pode acontecer ainda este ano”, avalia o professor de relações do trabalho na Universidade de São Paulo (USP), José Pastore.

Leia mais

* Taxa de desemprego fica estável em maio

O País só viveu situação semelhante no início dos anos 70, durante o período que ficou conhecido como “Milagre Brasileiro”, lembra o economista João Paulo dos Reis Veloso, que foi o titular do Ministério do Planejamento de 1969 a 1979. Naquele período, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu na faixa de 10% ao ano, por quatro anos consecutivos, de 1970 a 1973.

“Toda a década de 70 foi de expansão muito rápida no emprego porque o País vinha de um período de crescimento desde os anos 50. Mas a diferença é que antes havia um rápido crescimento do PIB e baixo crescimento do emprego. A partir de 1968 houve um grande crescimento do PIB e do emprego. No fim dos anos 70, a taxa de desemprego aberto estava em cerca de 2%”, acrescenta Reis Veloso.

Segundo Pastore, o desempenho da economia brasileira tem mostrado força e continuará assim até o fim de 2010, impulsionando a geração de postos de trabalho. “A menos que aconteça algo imprevisível, como um forte esfriamento da demanda interna, a trajetória de queda no desemprego não se confirmaria. Algo impensável no momento”, observa.

Janine Berg, especialista em Emprego do Escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, acredita que para que o Brasil atinja o patamar de pleno emprego e mantenha o quadro por um período longo é necessário que o País cresça a uma taxa de 6% ao ano, pelos próximos cinco a seis anos. “Mas essa trajetória está sujeita a variações. No longo prazo não é suficiente só gerar empregos. É necessário qualificar melhor. Pessoas com mais qualificação tendem a ser menos afetadas pelo desemprego”, diz.

O pleno emprego não significa o fim do desemprego, mas ocorre quando o nível de trabalhadores sem emprego se situa em uma faixa que os especialistas definem como friccional, ou seja, quando o trabalhador fica fora do mercado de trabalho por um curto período de tempo, entre 30 e 60 dias.

Isso ocorreu nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, quando houve uma forte expansão na produção e o desemprego oscilava na faixa de 2%. Na avaliação dos especialistas, o período de governo do presidente Bill Clinton, de 1993 a 2001, também podem ser considerados como de pleno emprego. Naquele momento, a taxa de desemprego entre os americanos chegou a ser de 4%.

Segundo os analistas, um fator que demonstra a proximidade de um cenário de pleno emprego no País é a maior pressão por aumentos salariais. Para José Pastore, isso já está ocorrendo em alguns setores. “Os aumentos estão acima da inflação e da produtividade em várias categorias. Já está faltando mão de obra qualificada e não-qualificada”, diz. De acordo com dados do Dieese, 93% dos pisos salariais, em diversas categorias profissionais, tiveram reajustes acima da inflação no ano passado.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Meus Versos Breakfast

Meus Versos Breakfast


Os meus versos foram feitos
Com produtos da NASA
Da mais pura tecnologia;
São versos feitos na Bahia,
Por um baiano,
Quem o diria?

Foram feitos com Kevlar,
Ligas raras,
Alta criptografia;
São versos antialergia,
Nanoeletrônicos,
Pura pirotecnia.

Remetem ao espaço,
Às estrelas,
À criogenia;
São versos mabaços,
São anti-cansaço,
Dreaminologia.

Aquém do meu passo,
Além do meu laço,
Pra lá do meu braço;
Produzem um traço,
Que ditam compasso,
Não têm precisão.


Ruy Penalva

LF, 18/06/2010.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

O New York Times pede: Cala a Boca Galvão (Clichê Machine)

A Brazilian Twitter Campaign That Really Is for the Birds
By JIM DWYER
Published: June 15, 2010



At work on Monday morning, the two Brazilians who sit next to Lucas Shanks were speaking rapid-fire Portuguese. It would occur to Mr. Shanks later that they might have been plotting against him at that very moment, but, as he pointed out, he is 24, a bit naïve, from Minnesota and a devoted follower of Twitter.
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Globalvoicesonline.Org

A Web site poster promotes the “Cala Boca Galvão” crusade.
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*
Times Topic: Jim Dwyer

Taken together, these were all factors that made him vulnerable to one of history’s most successful cyberpranks.

A copywriter with the J. Walter Thompson advertising agency in Midtown, Mr. Shanks had been meaning to ask his Brazilian colleagues about a mysterious Portuguese phrase he had seen posted on Twitter for several days: “Cala Boca Galvão.” It was one of the top trending topics on Twitter, meaning that thousands of people were passing it along every hour.

He called out to Thiago Cardoso, an associate creative director at the agency, who grew up in Brazil.

“What is this cali-bing-gala?” Mr. Shanks asked, mangling the words.

“You mean Cala Boca Galvão?” Mr. Cardoso, 29, said. “You really don’t know, dude? Let me show you something.”

He clicked on a YouTube video.

“Help us save the Galvão birds,” the announcer said, his voice seeming to come right out of a BBC broadcast.

The rare Galvão bird, native to Brazil, was endangered, he continued. About 300,000 a year were slaughtered for their feathers during Carnival. Climate change was killing more. But there was hope: a scientist had a project to rescue the birds. Amazingly, anyone could help — just by putting up a post on Twitter.

“Every tweet with Cala Boca Galvão generates a donation of 10 cents to the Galvão Birds Foundation,” the video announcer said. “One second to tweet. One second to save a life. Galvão Institute. For a better world.”

Mr. Cardoso looked solemnly at Mr. Shanks. “Do your part, dude,” he said.

How exactly a Twitter post would generate 10 cents was not explained, but as Mr. Shanks said on Tuesday, “the last thing I wanted to do was insult a bird that held a lot of pride for the Brazilians.”

Joining a worldwide throng, Mr. Shanks posted the words “Cala Boca Galvão.”

They actually have nothing to do with an endangered bird.

The phrase refers to Brazil’s leading sports announcer, Galvão Bueno, a man who, to the ears of some Brazilians, is a bombastic cliché machine. On Friday, the first day of the World Cup, someone posted the phrase on Twitter.

Translation: “Shut up, Galvão.”

Another Brazilian expatriate in New York, Felipe Memoria, said that Mr. Bueno, as the leading sportscaster on the largest television network in the country, was able to hold the soccer-crazed nation hostage to his line of patter. “The majority of people would like to make fun of Galvão,” Mr. Memoria, 32, said. “They also love to take over things like Twitter.”

So all day on Friday, Brazilians were posting the shut-up comment. Inevitably, others asked what the words meant. That was when the real mischief began. At 2 a.m. on Saturday, a Brazilian wrote in English that it was a bird. (In fact, the Portuguese word for hawk, “gavião,” is close to Galvão.) An online petition to save the bird was published; a flier was circulated promising 10-cent donations for each post. The Brazilian author Paulo Coelho wrote on Twitter: “CALA BOCA GALVÃO is the Brazilian version of a homeopathic remedy SILENTIUM GALVANUS.”

By dawn Saturday, Fernando Motolese, a comedian and audiovisual producer in São Paulo, Brazil, had started work on his one-minute video. He recruited a British actor, Stewart Clapp, to do the voice-over. “It took about 32 hours to make, without sleep,” Mr. Motolese said by phone on Tuesday. The video rallies support for a Brazilian scientist who has devised a special birdhouse to protect the few remaining Galvãos.

The video, posted Sunday night on a Brazilian humor blog and also YouTube, has been viewed a half-million times. By Tuesday evening, “Cala Boca Galvão” remained the leading Twitter subject in the world.

“It is an insider joke by an entire country,” Mr. Cardoso said, a triumph more satisfying to many Brazilians than the lame 2-to-1 victory their team managed over North Korea on Tuesday.

According to published reports, the target of the campaign, the broadcaster Galvão Bueno, doesn’t mind the joke.

He had better not. Drawing on another Internet gimmick, a movie clip of Hitler, ranting in German, has been given fresh subtitles to show him responding to the “Cala Boca Galvão” phenomenon. He is not amused.

E-mail: dwyer@nytimes.com

Hitler pede: Cala a boca Galvão

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Mata-Me-Mata-Me

Mata-Me-Mata-Me

Campos de manjericões
Hortelãs
Rosas-jasmins
Aos borbotões
Cheiros-senões
De laranjeiras
Aroeiras
Da mata inteira
Dentro de mim

Passo de formiga
Passo rapariga
Passo de cantiga
A mim amiga
Que nem me liga
A mim me intriga
Quando abriga
Ou desabriga
O vento xou

Show que me mostre
Mais me revele
Leve resvale
Quando me coce
Fundo me roce
Não desvanece
Fio que me tece
Faço essa prece
Flor que murchou



Ruy Penalva, 14/06/2010.

José Serra e a sede de poder - Estadão

'Você não está vendo que é minha última oportunidade?'

Durante encontro a sós numa madrugada de março, o então governador José Serra usou com Aécio Neves o argumento que mostra sua obstinação em buscar a Presidência da República
12 de junho de 2010 | 0h 01



Christiane Samarco / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo

Ele sonha com a Presidência da República desde menino e trabalha metódica e obstinadamente para chegar lá há exatos 12 anos, 2 meses e 12 dias, desde que assumiu o comando do Ministério da Saúde, em 1998. Mas quando tudo parecia resolvido, com o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, já fora do páreo, no final de janeiro deste ano José Serra vacilou.

A indecisão assombrou os cinco políticos mais próximos do candidato, a quem ele mais ouve. Foi o mais ilustre membro deste quinteto – o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – quem deu o ultimato e acabou com a indefinição: "Serra, agora é tarde. Você não pode mais desistir".

O comando tucano estabelecera prazo até o Carnaval para que Serra desse uma demonstração pública que não deixasse dúvidas quanto à decisão de enfrentar o mito Lula e a máquina petista do governo. Serra ainda silenciou por quase uma semana. Voltou à cena, pedindo ao presidente do partido, senador Sérgio Guerra (PE), e ao amigo deputado Jutahy Júnior (BA), que organizassem uma programação para ele participar dos carnavais de rua do Recife e de Salvador, na semana seguinte.

A pressão pela definição era tão grande, que até a reportagem de uma revista semanal britânica repercutiu no Brasil. A respeitada The Economist que circulou na primeira semana de fevereiro trazia um artigo afirmando que o governador José Serra esperava, "com paciência demais" pela Presidência. Disse ainda: "Serra precisa subir no banquinho e começar a cantar seus elogios agora. Do contrário será lembrado como o melhor presidente que o Brasil nunca teve."

Bem no clima do dito popular sobre o calendário do Brasil, no qual o ano só começa depois do carnaval, Serra assumiu mesmo os compromissos pré-eleitorais no embalo do Momo. "As dúvidas do Serra nunca foram hamletianas. Sempre foram objetivas", diz o governador Alberto Goldman.

Em conversas reservadas, Serra já havia reclamado da "falta de estrutura" do partido. Boa parte da dúvida vinha da falta de sustentação partidária. Diferentemente do PT, o PSDB não é um partido de base e de organização, com estrutura para dar o suporte que uma disputa acirrada pela Presidência da República requer. Para o amigo Jutahy, os momentos de indefinição decorreram do fato de que Serra "nunca jogou com uma alternativa única". Da mesma forma, acrescenta, ele jamais seria candidato só para marcar posição. "O Serra acredita na possibilidade de vitória".

O convite explícito ao ex-governador de Minas Gerais, Aécio Neves, para que aceitasse a vice na chapa puro-sangue do PSDB, demorou mais 30 dias – veio na primeira hora da terça-feira 3 de março, no Hotel Meliá em Brasília. Na conversa reservada, sem testemunhas, que avançou pela madrugada, Serra não hesitou em usar seus 68 anos de idade como argumento, para convencê-lo a aceitar a dobradinha café com leite.

"Você não está vendo que esta é minha última oportunidade?", ponderou, para salientar que Aécio é jovem e que um dia, "fatalmente", o neto de Tancredo Neves chegará a Presidência da República. Em resposta, o mineiro repetiu a tese de que a melhor forma de ajudá-lo seria dedicando-se à campanha de Minas, disputando o Senado – e o governador Antônio Anastasia, a reeleição.

No voo de volta a Belo Horizonte, no dia 10 de abril, depois do Encontro dos Partidos Aliados – quando Serra apresentou a candidatura e Aécio foi recebido por 3 mil militantes aos gritos de "vice, vice, vice" – o governador de Minas confidenciou a um interlocutor o temor de que o anúncio da dobradinha com Serra fosse um "fato político efêmero".

Admitiu que sua presença na chapa poderia até dar um "upgrade" à candidatura tucana, mas também avaliou que o entusiasmo seria rapidamente consumido. "Muita gente fala que é importante eu ser vice, mas um anúncio desses só alimentaria o noticiário por 15 dias". Ainda assim, ele não fechou de todo a porta à chapa café com leite.

Serra já estava avisado de que, com Aécio, não adiantaria pressão. O recado velado veio embutido no discurso de homenagem ao centenário de nascimento de seu avô Tancredo, realizada uma semana depois. Da tribuna do Senado, em sessão solene para lembrar Tancredo Neves, Aécio fez questão de citar a frase com a qual o avô respondera à pressão do então deputado João Amazonas (PC do B) em 1985, para que assumisse posições radicais: "Não adianta empurrar. Empurrado eu não vou."

Não foi por pressão ou por temor do confronto que Aécio decidiu sair do páreo. Na lógica de um dirigente tucano que o acompanha, ele não quis "ir para o pau" porque não poderia construir uma candidatura a presidente rompido com o candidato a governador de São Paulo. Além disso, ao final do ano passado as pesquisas eleitorais mostravam que ele não havia empolgado o País. Ficou claro que insistir na disputa interna seria um desgaste político.

Boa parte dos movimentos de Aécio rumo ao Planalto foi feita no embalo da resistência de companheiros a mais uma candidatura de São Paulo. Desde 2002, o tucanato das várias regiões amarga um incômodo e um certo cansaço em relação à hegemonia paulista. A queixa geral é de que ser um candidato a presidente "fora do establishment" é muito difícil em qualquer circunstância. Praticamente impossível, se houver um concorrente de São Paulo.

Esse sentimento tomou conta das regionais do partido depois da morte de Mário Covas. O câncer que tirou Covas do governo de São Paulo levou junto o candidato natural do PSDB a presidente da República e também a possibilidade da construção pacífica de uma candidatura de consenso.

Já bastante doente, Covas recebeu, em 2000, a visita de Tasso no Palácio dos Bandeirantes. Em meio à conversa sobre cenário político nacional e a sucessão presidencial, o anfitrião abriu o jogo. "Não vou ter saúde para ser candidato. Essa disputa vai ficar entre você e o Serra. E meu candidato é você", avisou. Em seguida, fez questão de telefonar para o presidente Fernando Henrique, comunicando sua preferência.

Tasso lançou-se na disputa presidencial em 2001, ao final do seu terceiro mandato de governador do Ceará. Além do incentivo de Covas, morto em março daquele ano, arrebanhou apoios públicos no PFL do senador Antonio Carlos Magalhães (BA). Mas acabou desistindo, com queixas de que havia "uma espécie de conspiração paulista em favor de Serra, desequilibrando a disputa interna".

"Eu vim aqui comunicar que não serei mais candidato a presidente. Estou saindo fora", disse Tasso ao presidente Fernando Henrique. Era dezembro de 2001, quando o cearense chegou ao Palácio da Alvorada, já muito irritado e disposto a protestar contra "setores do PSDB no governo" que estariam dificultando a liberação de recursos para o Ceará e, pior, investigando sua vida.

Na chegada ao Alvorada, deparou-se com o ex-ministro da Justiça e secretário-geral da Presidência, Aloysio Nunes Ferreira, mas não amenizou as críticas. Ao contrário: Tasso tinha Aloysio como o "ponta de lança" de Serra contra ele e ainda achava que FHC atuava para desequilibrar a disputa sucessória em favor de São Paulo. Pior, suspeitava da influência de Aloysio sobre uma operação da Polícia Federal que colocou agentes em seu encalço, em meio a uma investigação de lavagem de dinheiro.

Neste cenário, o que era para ser um jantar de autoridades no salão palaciano descambou para as ofensas em tom crescente, a ponto de Tasso apontar "a safadeza e a molecagem" do ministro, que agiria para prejudicá-lo. Bastou um "não é bem assim" de Aloysio para o bate-boca começar.

"Vocês jogam sujo!", devolveu Tasso.

"Vocês quem?", quis saber Aloysio.

"Você... o Serra... Vocês estão jogando sujo e eu estou saindo (da disputa presidencial) por causa de gente como você, que está me fodendo nesse governo", reagiu Tasso.

"Jogando sujo é a puta que o pariu", berrou Aloysio, já partindo para cima do governador. Fora de controle e vermelho de raiva, Tasso chegou a arrancar o paletó e os dois armaram os punhos para distribuir os socos. Foi preciso que um outro convidado ilustre para o jantar no Alvorada, o governador do Pará, Almir Gabriel, entrasse do meio dos dois, com as mãos para cima, apartando a briga. Fernando Henrique, estupefato, pedia calma.

Diante da desistência pública do cearense e das indagações da imprensa sobre o racha no PSDB e sobre o que Serra poderia fazer para unir o partido, Arthur Virgílio disse diante das câmeras de televisão que falar com Tasso era fácil. "Basta discar o DDD 085 e o número do telefone", sugeriu.

"Mas o que é isso? Você me ensinando a falar com Tasso pela TV?", cobrou Serra. "Não fiz para te sacanear. Só respondi à pergunta de como vocês iriam se falar. Você é o meu candidato a presidente", amenizou Virgílio. O telefonema não aconteceu e Tasso acabou optando pela candidatura presidencial do amigo e conterrâneo Ciro Gomes, que lhe pedia apoio e ajuda e com quem nunca se atritou.

Também foi nos braços de Ciro que os aliados do PFL se jogaram na eleição de 2002. Serra estava rompido com os pefelistas, hoje rebatizados de DEM, desde o desmonte da candidatura presidencial de Roseana Sarney, a partir de uma operação da Polícia Federal que investigou fraudes na Sudam. Em 1º de março de 2001, a PF encontrou R$ 1,34 milhão em cédulas de R$ 50 no cofre da empresa Lunus Participações e Serviços Ltda, de propriedade de Roseana e seu marido Jorge Murad. O casal não esclareceu a origem do dinheiro. O episódio deixou sequelas.

O PFL demorou a se aproximar de Serra. O cacique Antonio Carlos Magalhães dizia que Serra fazia aquilo que era a especialidade do baiano: atropelava todos de quem não gostava. Contava que ele próprio fora atropelado por conta da amizade do paulista com Jutahy.

Nos últimos meses de Serra à frente do Ministério da Saúde, em 2002, quando agilizava os convênios com prefeituras de todo o Brasil para deixar a pasta, o ministro recebeu um telefonema de ACM com um recado direto: "Eu quero que Jutahy perca esta eleição. Quem ajudá-lo não é meu amigo". O pedido ali embutido era para que o ministério não assinasse convênios com prefeituras ligadas ao deputado baiano. Serra ponderou que não tinha como ajudar Jutahy. "O senhor é o presidente do Senado e ele está sem mandato", argumentou.

Mas, em vez de vetar o acesso dos prefeitos da base de Jutahy aos programas da Saúde, Serra o alertou: "Trate desta eleição como se estivesse tratando da sua vida". Abertas as urnas, ACM acusou o golpe com outro telefonema: "Quero te informar que seu amigo se elegeu". Serra ganhou ali um adversário de peso na Bahia.

Aloysio lembra que, antes mesmo da derrota de 2002, Serra já amargava uma campanha sofrida, mal organizada e sem estrutura, da qual saíra muito abatido. "Até o coordenador se mandou no meio da campanha", recorda bem humorado, referindo-se à saída de Pimenta da Veiga. "Mas, naquele momento, foi muito sofrido. Ele se levantou porque não é homem de ficar chorando pelos cantos".

Talvez por isto, correligionários e aliados já identificassem em 2004 um Serra bem diferente, e hoje enxerguem nele um "candidato humanizado" pelas derrotas. Afinal, depois de ser o presidenciável do partido que forçara Lula a disputar dois turnos para chegar ao Palácio do Planalto, ele teve que pedir voto aos próprios companheiros.

Sem mandato, só lhe restava a opção de presidir o partido. "Ele conheceu bem o outro lado. Com 33 milhões de votos, teve que lutar para ser presidente do PSDB", conta Virgílio, que lhe emprestou o gabinete da liderança do governo no Congresso para a campanha interna, sem adversário.

Do comando partidário, Serra ainda foi forçado a assumir a contragosto a candidatura para prefeito de São Paulo. "Você é o único capaz de vencer a Marta Suplicy" diziam todos os tucanos de São Paulo e do Brasil, referindo-se à prefeita petista, que disputava a reeleição. O apelo mais forte veio do ex-presidente Fernando Henrique.

Ele sabia que a Prefeitura complicaria seu projeto mais importante: a Presidência da República. Queria continuar presidente do partido e estava certo de que era o caminho para chegar como candidato mais forte ao Planalto em 2006. Mas não teve como resistir à pressão de dirigentes nacionais e paulistas, por conta da convicção geral de que, se Marta fosse reeleita, a hegemonia do PT se tornaria irreversível.

Mas foi assim que também se tornou tributário de uma dívida de apoio para a pretensão de 2010. A parceria com o DEM nas eleições municipais de 2008 foi iniciativa de Serra, já mirando o Palácio do Planalto mais adiante. Foi ele quem, na condição de presidente nacional do PSDB, procurou o presidente do PFL para propor a dobradinha. Àquela altura, o PFL tinha um candidato – José Pinotti – que aparecia com cerca de 15% da preferência do eleitorado nos levantamentos do partido.

Bornhausen sugeriu Kassab para vice e o tucano resistiu. Argumentou que Kassab fora secretário do Planejamento na gestão de Celso Pitta, uma ligação com potencial de desastre eleitoral. Queria Lars Grael, o velejador campeão mundial que tivera uma perna mutilada em um acidente e fora secretário nacional de Esportes no governo FHC. Mas Grael era cristão novo e Bornhausen bateu o pé. Praticamente impôs Kassab.

Habilidoso, Kassab nunca agiu como o nome imposto nem se ressentiu do veto. Dizia que a postura de Serra sempre foi muito transparente e que suas ponderações eram de caráter político eleitoral, e não pessoais. E se apresentou ao parceiro de forma objetiva: "Serei uma pessoa leal à chapa. Pode contar comigo".

Na construção da disputa municipal de 2008, Serra teve de administrar duas candidaturas do mesmo campo político, uma delas de seu próprio PSDB. Kassab sabia que era o preferido por para continuar o trabalho em parceria com tucanos do primeiro time.

Três ex-ministros de Fernando Henrique – Aloysio, Andrea Matarazzo e Clóvis Carvalho – participaram da Prefeitura. Ao final, no entanto, acabou tendo que engolir o apoio público de Serra a Alckmin.

Goldman ainda articulou e coordenou uma reunião com Serra e Aloysio no Palácio dos Bandeirantes, em que propuseram a Alckmin desistir da Prefeitura em troca do apoio garantido do trio para a volta ao governo, dois anos mais tarde. "Governador eu já fui. Quero muito ser prefeito."

A construção da unidade interna só foi possível depois de Kassab se reeleger prefeito. Derrotado, Alckmin sabia que o único caminho para voltar ao governo de São Paulo seria dentro do próprio governo. Mas, no tucanato, ninguém acreditava que Serra o convidasse e, tampouco, que o outro aceitasse.

Não foi tão difícil. Se o acerto era o passaporte de Alckmin para uma nova candidatura, também era fundamental ao projeto Serra criar um ambiente de unidade interna a partir de São Paulo. Serra investiu na operação certo de que ela teria serventia dupla, além do fato de trazer votos. Mais do que resolver a sucessão paulista, a ofensiva serviria ao projeto mais arrojado de mudança de imagem no plano nacional.

Como Aécio construía a candidatura presidencial vendendo o modelo de político agregador, capaz de aglutinar mais apoios fora do PSDB do que Serra, chegara o momento de o paulista desfazer este entendimento. E nada melhor, para se livrar da pecha de desagregador, do que uma demonstração nacional de que ele seria poderia, sim, encarnar o figurino de político competente também para agregar apoios e unir o partido.

O presidente nacional do partido, Sérgio Guerra, e o presidente da regional paulista, José Henrique Lobo, foram encarregados de fazer a sondagem para poupar o governador de uma eventual recusa. Além deles, apenas Serra, Goldman e Aloysio sabiam do encontro e não deixaram vazar o convite para não subtrair impacto do fato político.

Na tarde de 23 de dezembro, antevéspera do Natal, Alckmin foi tomar um café com Serra a pretexto de lhe desejar boas festas, e deu o OK. O convite aceito foi o fator de aglutinação que faltava para dar seguimento à estratégia de chegar ao Planalto.

Mas nem por isto a pendenga com Aécio estava resolvida. Embora Serra ocupasse o primeiro lugar da fila de presidenciáveis tucanos, o ex-governador de Minas também estava convencido de que sua melhor hora para entrar na corrida sucessória era aquela. Depois de oito anos de administração bem sucedida no governo de Minas, ele avaliava que este seria o melhor momento para apresentar sua candidatura.

Foi aí que Sérgio Guerra teve seu papel mais relevante na construção da candidatura tucana. Foi ele quem administrou a dupla de presidenciáveis e convenceu Serra a acatar a ideia das prévias que Aécio exigia. O governador paulista chegou a se irritar com a pressão de Aécio, que se sentia liberado para correr o País em busca de apoios, depois de sete anos de administração bem sucedida em Minas.

Serra, ao contrário, avaliava que não podia se afastar um milímetro do governo estadual para tratar de eleição, sob pena de perder o voto dos paulistas – que já haviam amargado sua saída da Prefeitura de São Paulo no meio do mandato. Com muita habilidade e alguma paciência, impediu um atrito entre os dois assegurando ao paulista que as prévias acabariam não acontecendo. E assim foi.


Tópicos: Joséserra, Aécioneves, PSDB, Eleições2010, Nacional, Política

domingo, 13 de junho de 2010

Brasil deve cortar pobreza à metade até 2014

3/06/2010-02h43
Brasil deve cortar pobreza à metade até 2014

DE SÃO PAULO

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Mantida a tendência de crescimento médio da economia no governo Lula, o Brasil cortará à metade o número de pessoas pobres até 2014.

O total cairá de 29,9 milhões para cerca de 14,5 milhões, o equivalente a menos de 8% da população, informa reportagem de Fernando Canzian publicada na Folha deste domingo (exclusivo para assinantes do jornal e do UOL).

Nos anos Lula, até a crise de 2009, o número de pobres (pessoas com renda familiar per capita mensal até R$ 137,00) caiu 43%, de 50 milhões para 29,9 milhões.

Hoje, a velocidade da queda do número de pobres é ainda maior, de cerca de 10% ao ano, segundo cálculos do economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Pesquisas Sociais da FGV-Rio.

"Estamos entrando em um processo de redução da desigualdade mais forte do que no período entre 2003 e 2008", afirma Neri.

Outros especialistas ouvidos pela Folha concordam com essas previsões, consideradas realistas ante a tendência dos últimos anos.

Consideram também viável o país manter um ritmo de crescimento até maior do que a média dos últimos anos. A previsão de crescimento para 2010, por exemplo, já varia entre 6,5% e 7,5%.

A diminuição do número de pobres e a ascensão de 32 milhões de brasileiros às classes ABC entre 2003 e 2008 esteve relacionada, principalmente, ao aumento do emprego formal e da renda do trabalho, à política de valorização do salário mínimo e aos programas sociais, como o Bolsa Família.

sábado, 5 de junho de 2010

Maluco, Eu?

Maluco? Eu? (Ruy Penalva, 2003)

Em um ponto atingirei
O caminho da perfeição,
Momento que vai me levar
A total destruição.
Nem os sábios saberão,
Muito menos, cientistas,
Que a perfeição é uma meta,
Uma meta irrealista.

E tudo que eu faço
Na relação do meu espaço,
É um nada comparado
A o tudo que desfaço.
Sou quadrado imperfeito
Procurando a solução,
Que me tire da raiz,
Que me prende à equação.

Sou inteiro e sou fração,
Analógico e digital,
Sou um bit de parada,
Um binário acidental.
E viajo pelos cabos
Como luz sem direção,
Esperando num decoder
A final transformação.

Sou escravo dos meus genes,
Que me ditam a emoção,
Que produzem meus impulsos,
E me impelem à compulsão.
Tenho pé grande, moro longe,
Sou feio e não sou global,
Vivo da cata do lixo,
Neste luxo virtual.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Livro desnuda a relação de Serra com Daniel Dantas.

Livro desnuda a relação de Serra com Dantas.
É por isso que Serra se aloprou


A bomba explodiu no colo do Serra




O Conversa Afiada recebeu de amigo navegante mineiro o texto que serve de introdução ao livro “Os porões da privataria” de Amaury Ribeiro Jr., que será lançado logo depois da Copa, em capítulos, na internet.

Vai desembarcar na eleição.

É um trabalho de dez anos de Amaury Ribeiro Jr, que começou quando ele era do Globo e se aprofundou com uma reportagem na IstoÉ sobre a CPI do Banestado.

Não são documentos obtidos com espionagem – como quer fazer crer o PiG (*), na feroz defesa de Serra.

É o resultado de um trabalho minucioso, em cima de documentos oficiais e de fé pública.

Um dos documentos Amaury Ribeiro obteve depois de a Justiça lhe conceder “exceção da verdade”, num processo que Ricardo Sergio de Oliveira move contra ele. E perdeu.

O processo onde se encontram muitos documentos foi emcaminhado à Justiça pelo notável tucano Antero Paes e Barros e pelo relator da CPI do Banestado, o petista José Mentor.

Amaury mostra, pela primeira vez, a prova concreta de como, quanto e onde Ricardo Sergio recebeu pela privatização.

Num outro documento, aparece o ex-sócio de Serra e primo de Serra, Gregório Marin Preciado no ato de pagar mais de US$ 10 milhões a uma empresa de Ricardo Sergio.

As relações entre o genro de Serra e o banqueiro Daniel Dantas estão esmiuçadas de forma exaustiva nos documentos a que Amaury teve acesso. O escritório de lavagem de dinheiro Citco Building, nas Ilhas Virgens britânicas, um paraíso fiscal, abrigava a conta de todo o alto tucanato que participou da privataria.

Não foi a Dilma quem falou da empresa da filha do Serra com a irmã do Dantas. Foi o Conversa Afiada.
Que dedica a essa assunto – Serra com Dantas – uma especial atenção.

Leia a introdução ao livro que aloprou o Serra:


Os porões da privataria

Quem recebeu e quem pagou propina. Quem enriqueceu na função pública. Quem usou o poder para jogar dinheiro público na ciranda da privataria. Quem obteve perdões escandalosos de bancos públicos. Quem assistiu os parentes movimentarem milhões em paraísos fiscais. Um livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr., que trabalhou nas mais importantes redações do país, tornando-se um especialista na investigação de crimes de lavagem do dinheiro, vai descrever os porões da privatização da era FHC. Seus personagens pensaram ou pilotaram o processo de venda das empresas estatais. Ou se aproveitaram do processo. Ribeiro Jr. promete mostrar, além disso, como ter parentes ou amigos no alto tucanato ajudou a construir fortunas. Entre as figuras de destaque da narrativa estão o ex-tesoureiro de campanhas de José Serra e Fernando Henrique Cardoso, Ricardo Sérgio de Oliveira, o próprio Serra e três dos seus parentes: a filha Verônica Serra, o genro Alexandre Bourgeois e o primo Gregório Marin Preciado. Todos eles, afirma, tem o que explicar ao Brasil.

Ribeiro Jr. vai detalhar, por exemplo, as ligações perigosas de José Serra com seu clã. A começar por seu primo Gregório Marín Preciado, casado com a prima do ex-governador Vicência Talan Marín. Além de primos, os dois foram sócios. O “Espanhol”, como (Marin) é conhecido, precisa explicar onde obteve US$ 3,2 milhões para depositar em contas de uma empresa vinculada a Ricardo Sérgio de Oliveira, homem-forte do Banco do Brasil durante as privatizações dos anos 1990. E continuará relatando como funcionam as empresas offshores semeadas em paraísos fiscais do Caribe pela filha – e sócia — do ex-governador, Verônica Serra e por seu genro, Alexandre Bourgeois. Como os dois tiram vantagem das suas operações, como seu dinheiro ingressa no Brasil …

Atrás da máxima “Siga o dinheiro!”, Ribeiro Jr perseguiu o caminho de ida e volta dos valores movimentados por políticos e empresários entre o Brasil e os paraísos fiscais do Caribe, mais especificamente as Ilhas Virgens Britânicas, descoberta por Cristóvão Colombo em 1493 e por muitos brasileiros espertos depois disso. Nestas ilhas, uma empresa equivale a uma caixa postal, as contas bancárias ocultam o nome do titular e a população de pessoas jurídicas é maior do que a de pessoas de carne e osso. Não é por acaso que todo dinheiro de origem suspeita busca refúgio nos paraísos fiscais, onde também são purificados os recursos do narcotráfico, do contrabando, do tráfico de mulheres, do terrorismo e da corrupção.

A trajetória do empresário Gregório Marin Preciado, ex-sócio, doador de campanha e primo do candidato do PSDB à Presidência da República mescla uma atuação no Brasil e no exterior. Ex-integrante do conselho de administração do Banco do Estado de São Paulo (Banespa), então o banco público paulista – nomeado quando Serra era secretário de planejamento do governo estadual, Preciado obteve uma redução de sua dívida no Banco do Brasil de R$ 448 milhões (1) para irrisórios R$ 4,1 milhões. Na época, Ricardo Sérgio de Oliveira era diretor da área internacional do BB e o todo-poderoso articulador das privatizações sob FHC.

(Ricardo Sergio é aquele do “estamos no limite da irresponsabilidade. Se der m… “, o momento Péricles de Atenas do Governo do Farol – PHA)
Ricardo Sérgio também ajudaria o primo de Serra, representante da Iberdrola, da Espanha, a montar o consórcio Guaraniana. Sob influência do ex-tesoureiro de Serra e de FHC, mesmo sendo Preciado devedor milionário e relapso do BB, o banco também se juntaria ao Guaraniana para disputar e ganhar o leilão de três estatais do setor elétrico (2).

O que é mais inexplicável, segundo o autor, é que o primo de Serra, imerso em dívidas, tenha depositado US$ 3,2 milhões no exterior através da chamada conta Beacon Hill, no banco JP Morgan Chase, em Nova York. É o que revelam documentos inéditos obtidos dos registros da própria Beacon Hill em poder de Ribeiro Jr. E mais importante ainda é que a bolada tenha beneficiado a Franton Interprises. Coincidentemente, a mesma empresa que recebeu depósitos do ex-tesoureiro de Serra e de FHC, Ricardo Sérgio de Oliveira, de seu sócio Ronaldo de Souza e da empresa de ambos, a Consultatun. A Franton, segundo Ribeiro, pertence a Ricardo Sérgio.

A documentação da Beacon Hill levantada pelo repórter investigativo radiografa uma notável movimentação bancária nos Estados Unidos realizada pelo primo supostamente arruinado do ex-governador. Os comprovantes detalham que a dinheirama depositada pelo parente do candidato tucano à Presidência na Franton oscila de US$ 17 mil (3 de outubro de 2001) até US$ 375 mil (10 de outubro de 2002). Os lançamentos presentes na base de dados da Beacon Hill se referem a três anos. E indicam que Preciado lidou com enormes somas em dois anos eleitorais – 1998 e 2002 – e em outro pré-eleitoral – 2001. Seu período mais prolífico foi 2002, quando o primo disputou a presidência contra Lula. A soma depositada bateu em US$ 1,5 milhão.

O maior depósito do endividado primo de Serra na Beacon Hill, porém, ocorreu em 25 de setembro de 2001. Foi quando destinou à offshore Rigler o montante de US$ 404 mil. A Rigler, aberta no Uruguai, outro paraíso fiscal, pertenceria ao doleiro carioca Dario Messer, figurinha fácil desse universo de transações subterrâneas. Na operação Sexta-Feira 13, da Polícia Federal, desfechada no ano passado, o Ministério Público Federal apontou Messer como um dos autores do ilusionismo financeiro que movimentou, através de contas no exterior, US$ 20 milhões derivados de fraudes praticadas por três empresários em licitações do Ministério da Saúde.

O esquema Beacon Hill enredou vários famosos, entre eles o banqueiro Daniel Dantas. Investigada no Brasil e nos Estados Unidos, a Beacon Hill foi condenada pela justiça norte-americana, em 2004, por operar contra a lei.

Percorrendo os caminhos e descaminhos dos milhões extraídos do país para passear nos paraísos fiscais, Ribeiro Jr. constatou a prodigalidade com que o círculo mais íntimo dos cardeais tucanos abre empresas nestes édens financeiros sob as palmeiras e o sol do Caribe. Foi assim com Verônica Serra. Sócia do pai na ACP Análise da Conjuntura, firma que funcionava em São Paulo em imóvel de Gregório Preciado, Verônica começou instalando, na Flórida, a empresa Decidir.com.br, em sociedade com Verônica Dantas, irmã e sócia do banqueiro Daniel Dantas, que arrematou várias empresas nos leilões de privatização realizados na era FHC.

Financiada pelo banco Opportunity, de Dantas, a empresa possui capital de US$ 5 milhões. Logo se transfere com o nome Decidir International Limited para o escritório do Ctco Building, em Road Town, ilha de Tortola, nas Ilhas Virgens Britânicas. A Decidir do Caribe consegue trazer todo o ervanário para o Brasil ao comprar R$ 10 milhões em ações da Decidir do Brasil.com.br, que funciona no escritório da própria Verônica Serra, vice-presidente da empresa. Como se percebe, todas as empresas tem o mesmo nome. É o que Ribeiro Jr. apelida de “empresas-camaleão”. No jogo de gato e rato com quem estiver interessado em saber, de fato, o que as empresas representam e praticam é preciso apagar as pegadas. É uma das dissimulações mais corriqueiras detectada na investigação.

Não é outro o estratagema seguido pelo marido de Verônica, o empresário Alexandre Bourgeois. O genro de Serra abre a Iconexa Inc no mesmo escritório do Ctco Building, nas Ilhas Virgens Britânicas, que interna dinheiro no Brasil ao investir R$ 7,5 milhões em ações da Superbird. com.br que depois muda de nome para Iconexa S.A…Cria também a Vex capital no Ctco Building, enquanto Verônica passa a movimentar a Oltec Management no mesmo paraíso fiscal. “São empresas-ônibus”, na expressão de Ribeiro Jr., ou seja, levam dinheiro de um lado para o outro.

De modo geral, as offshores cumprem o papel de justificar perante o Banco Central e à Receita Federal a entrada de capital estrangeiro por meio da aquisição de cotas de outras empresas, geralmente de capital fechado, abertas no país. Muitas vezes, as offshores compram ações de empresas brasileiras em operações casadas na Bolsa de Valores. São frequentemente operações simuladas tendo como finalidade única internar dinheiro nas quais os procuradores dessas offshores acabam comprando ações de suas próprias empresas… Em outras ocasiões, a entrada de capital acontecia através de sucessivos aumentos de capital da empresa brasileira pela sócia cotista no Caribe, maneira de obter do BC a autorização de aporte do capital no Brasil. Um emprego alternativo das offshores é usá-las para adquirir imóveis no país.

Depois de manusear centenas de documentos, Ribeiro Jr. observa que Ricardo Sérgio, o pivô das privatizações — que articulou os consórcios usando o dinheiro do BB e do fundo de previdência dos funcionários do banco, a Previ, “no limite da irresponsabilidade” conforme foi gravado no famoso “Grampo do BNDES” — foi o pioneiro nas aventuras caribenhas entre o alto tucanato. Abriu a trilha rumo às offshores e as contas sigilosas da América Central ainda nos anos 1980. Fundou a offshore Andover, que depositaria dinheiro na Westchester, em São Paulo, que também lhe pertenceria…

Ribeiro Jr. promete outras revelações. Uma delas diz respeito a um dos maiores empresários brasileiros, suspeito de pagar propina durante o leilão das estatais, o que sempre desmentiu. Agora, porém, existe evidência, também obtida na conta Beacon Hill, do pagamento da US$ 410 mil por parte da empresa offshore Infinity Trading, pertencente ao empresário, à Franton Interprises, ligada a Ricardo Sérgio.

(1)A dívida de Preciado com o Banco do Brasil foi estimada em US$ 140 milhões, segundo declarou o próprio devedor. Esta quantia foi convertida em reais tendo-se como base a cotação cambial do período de aproximadamente R$ 3,2 por um dólar.
(2)As empresas arrematadas foram a Coelba, da Bahia, a Cosern, do Rio Grande do Norte, e a Celpe, de Pernambuco.